2017-10-18 11:07:00

D. Luiz F. Lisboa: “ninguém pode dizer-se cristão se não busca a paz”


Dom Luiz Fernando Lisboa, é Bispo da Diocese de Pemba, no norte de Moçambique, e Presidente da Comissão de Justiça e Paz da Conferência Episcopal. Numa recente entrevista à Rádio Vaticano, o Prelado falou das actividades da Comissão e dos eventos que abalaram Nampula e a sua diocese nos últimos tempos.

Apresentamos a segunda parte da entrevista que D. Luiz concedeu à RV:

Enquanto Comissão nós fizemos, a nível nacional, um seminário, um ciclo de conferências, 7 conferências, com temas específicos voltados à Doutrina Social da Igreja (DSI). Fizemos em Maputo, na capital, abrimos o convite para deputados, para Directores provinciais, para ministros, sobre a DSI.

Houve uma participação de alguns deputados, algum ministro, e nós temos repetido isso nas Dioceses, nas Províncias, chamando os administradores, secretários permanentes, Directores provinciais, para mostrar um pouco a DSI e para mostrar que a Igreja quando diz, quando reclama alguma coisa, está baseada no Evangelho e na sua doutrina social. E a doutrina social que preconiza justamente isso: que os direitos sejam respeitados, que a participação … que o povo seja ouvido em todas as áreas, e que haja dignidade para todos. No fundo é isso.

A celebração dos 25 anos do Acordo de paz, em Moçambique, foi marcada pelo assassinato do Presidente do Município de Nampula. Houve algum pronunciamento da Igreja?

Esse crime chocou-nos a todos. O Presidente do Município de Nampula era membro de um Partido da oposição e bem no dia do acordo de paz foi assassinado. Chocou-nos a todos.

A Comissão, em si, não teve nenhuma nota porque o Senhor Arcebispo de Nampula fez uma nota veemente de repúdio a esse assassinato. Então a Igreja se manifestou através do nosso Arcebispo, que é o nosso Metropolita. Uma nota muito forte, porque chocou-nos a todos, chocou a toda a população de Nampula, chocou a todo o País, porque bem que tivesse acontecido no Dia da Paz pelas 19 horas mais ou menos, o assassinato desse Presidente do Município, que estava fazendo um bom trabalho em Nampula: a limpeza da Cidade, já se viam alguns investimentos, a população estava muito contente com ele.

Então especula-se muito (sobre) quem é que está por trás desse crime. A Polícia está a investigar, fala-se muito, eu não quero aqui adiantar nada, nem fazer nenhuma suposição, porque nós estamos esperando que se investigue, de facto, esse crime e que sejam punidos aqueles que, não tanto aqueles que praticaram, também, mas quem são os mandantes. Porque esse é um crime horrendo que chocou todo o País.

Sobre os ataques em Mocímboa da Praia, teve mais informações?

De facto, foi na manhã seguinte ao dia 4, foi no dia 5 (de outubro) pela madrugada. Já pela madrugada eu recebi um telefonema insistente dos Monges Beneditinos que estão justamente em Mocimboa da Praia, o local dos acontecimentos, dizendo: ‘Senhor Bispo, estamos aqui num tiroteio, estamos todos assustados, porque o tiroteio parece que é em toda a cidade, não só com armas pequenas mas armas pesadas’.

Então a nossa orientação foi para que ficassem em casa, que não saíssem, e fomos acompanhando. Também as Irmãs que vivem lá, são as Irmãs de S. José de Chambery, a mesma coisa, reportaram, chamaram e disseram: ‘olha, estamos aqui num tiroteio, não sabemos bem’. E, durante o dia, fomos falando pelo telefone e fomos percebendo aos poucos.

Falou-se muita coisa, que nós não podemos ir atrás das primeiras conversas que aparecem. Falaram muitas coisas de Partidos de oposição, mas depois aos poucos foram dizendo e foram descobrindo que se tratava de um grupo radical que teria entrado no País há cerca de três a quatro anos, que estava de certa forma a amedrontar um pouco as pessoas ali daquele Município, daquele Distrito. E aos poucos começaram a dizer que era um grupo ligado ao al-Shabaab, não é?, que é um grupo radical.

Nós não sabemos assim ao certo se é exactamente isso, isso é o que todos têm dito ultimamente, que teriam atacado um posto da Polícia. E depois tinham armas pesadas, armas brancas, e a verdade é que segundo informações, temos 17 mortos e mais de 50 pessoas detidas.

Então a Polícia está ainda a investigar, nós estamos esperando por parte da Polícia, por parte do governo, uma informação mais precisa do que de facto aconteceu, de quem é que está por trás disso, quais são os verdadeiros objectivos desse grupo … Mas a verdade é que a população já tinha alertado ao governo, e isso ouvi de pessoas entrevistadas, alertado sobre o trabalho desse grupo, que estava mesmo a amedrontar a população.

A comunidade alertou. Até uma visita pastoral que eu fiz há três anos atrás, logo depois da minha (tomada de) posse, quando estive em Mocimboa e Palma, os cristãos reclamaram que estavam sendo de certa forma perseguidos, humilhados, por um grupo radical. Então reportei isso às autoridades. E depois não se falou mais, as autoridades parece que andaram a conversar, não se falou mais. Agora esse fenómeno acontece. Então entristece muito.

Um dado positivo que nós ouvimos de um dos principais Líderes dos muçulmanos em Moçambique, que vive em Maputo, na capital, ele próprio numa entrevista à televisão, foi veemente contra esse tipo de acto, e dizendo que esses grupos não representam os muçulmanos; que os muçulmanos, pela própria índole, querem a paz, rezam pela paz, e que esses grupos não os representam.

Então isso é muito importante, que os muçulmanos tomem uma posição em relação à paz, porque de facto, na Província, nós temos um relacionamento muito bom com os muçulmanos: em todas as visitas pastorais que eu faço, nas aldeias mais recônditas, no momento da celebração da santa Missa, sempre tem lá um grupo de muçulmanos que vêm, participam juntos, almoçamos juntos, até apresentam alguma oferta para o Bispo … Então, para dizer que o nosso relacionamento é muito bom. Esses grupos não representam, de facto, o islamismo.

Como podem os cristãos ser fermento de paz e justiça lá onde se encontram?

Bom, em primeiro lugar nós, como cristãos, temos que estar sempre abertos ao diálogo: diálogo com o diferente, sobretudo. É muito fácil o diálogo com alguém que pensa como eu, mas é importante o diálogo com o diferente: quem é de uma religião diferente, quem é de um Partido diferente, que haja esse respeito pelo diferente.

(Em) segundo lugar: que haja uma abertura, que haja uma coragem de estar atento à realidade, aquilo que está a acontecer. Qualquer situação de injustiça, qualquer situação de sofrimento, o cristão deve actuar, deve falar, deve procurar, deve reportar a alguém, a uma autoridade, deve envolver a sua comunidade para que aquela situação seja aliviada.

Que haja algum trabalho para que aquilo não aconteça mais. Seja injustiça contra a mulher, contra a criança, contra o idoso, contra quem quer que seja, porque a Justiça e Paz o que quer é isso: que haja justiça, que haja respeito pelas pessoas, que haja dignidade, e toda a vez que um direito é espezinhado, toda a vez que uma pessoa é violada ou violentada de alguma maneira, o cristão deve actuar, deve agir, deve falar, sem medo.

Aos poucos que nós criemos essa coragem e saibamos que isso faz parte do ser cristão: lutar pela justiça, trabalhar para que haja justiça, para que haja igualdade entre as pessoas, para que as pessoas sejam respeitadas nos seus direitos, que cumpram os seus deveres. Enfim, que nós possamos trabalhar para que aconteça a justiça. Quando houver a justiça então a paz é uma consequência.

Ninguém está excluído. E aos cristãos eu faço um apelo especial: ninguém pode dizer que é cristão verdadeiramente se não busca a paz, se não trabalha pela justiça. Essa é uma consequência do ser baptizado. Todo o baptizado é missionário, todo o baptizado é um activista da justiça social. (BS)








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