2017-02-24 17:22:00

FESPACO - O maior Festival do mundo, arranca sábado em Ouagadougou


Tem início este sábado 25 de Fevereiro, em Ouagadougou, no Burkina-Faso, a 25ª edição do FESPACO, Festival Panafricano de Cinema e Televisão. O evento bianual que se prolonga até ao próximo dia 4 de Março, tem este ano por tema “Formação e Profissão do Cinema e do Audiovisual”. É que numa época de constantes e profundas evoluções tecnológicas e profissionais, a formação é sempre um desafio, também para ir ao encontro da grande sede de saber dos jovens africanos – lê-se na página Web do Festival.  

Para esta edição do FESPACO são esperados milhares espectadores que ao longo de uma semana poderá assistir à projecção de mais de 400 filmes, entre os quais os 150 seleccionados para concurso de entre os cerca de um milhar das propostas recebidas pelo Comité de Selecção.  Em concurso vão estar LM e CM de ficção, Documentários, séries televisivas e realizações das várias escolas de cinema do Continente. Tudo rigorosamente realizados por africanos do continente ou da Diaspora. 

Mas o FESPACO é mais do que a projecção de filmes: é espectáculo, colóquios, debates, mercado de filmes, música, etc. O P. Janvier Yameogo, membro da Secretaria do Vaticano para a Comunicação está de partida para este Festival que considera o maior da África e do mundo:

Como sabe, trata-se do maior evento cinematográfico no continente africano e, ao longo dos anos, o Festival tem levado, efectivamente,  os africanos a tomar consciência da importância do cinema e também a profissionalizar o cinema

Surgido em 1969 como simples semana anual de cinema africano, poucos anos depois foi oficializado, tomando o nome de FESPACO. Em 1979 tornou-se bianual, tendo inicio sempre no último sábado de Fevereiro dos anos díspares.

Na edição deste ano, a 25ª,  há 20 LM de 15 países em concurso, 22 CM , 21 Documentários  de 17 países, e filmes de 16 escolas de cinema da África.

De entre os países representados, estão a Etiópia, a Argélia, os Camarões, diversos países francófonos da África ocidental, a Tanzânia, etc. E não faltam filmes da Diáspora. Um verdadeiro que é para os organizadores um verdadeiro desafio estratégico e geopolítico de cultura africana: representar o continente todo e a sua diáspora – frisa o P. Janvier Yameogo:

Um dos desafios deste Festival é um desafio geopolítico e estratégico a nível da cultura africana. A partir dos anos 80 com [o Presidente] Tomaz Sankara, o Festival abriu-se à Diáspora: então nesta edição há filmes das ilhas Reunião, o Brasil não está este ano em competição, mas está presente, da Guadalupe e da Martinica... Assim, é toda a Diáspora, desde os Estados Unidos a outras partes do mundo que se reúne e, não temo dizer que, efectivamente, se trata do maior Festival popular do cinema que existe no mundo, porque durante o FESPACO toda a cidade de Ouagadougou torna-se realmente  efervescente , com muitíssimos pontos de debates, colóquios, espectáculos, encontros intelectuais e, ao logos dos anos, tem havido esta insistência na formação que é, aliás, o tema desta edição, e tem havido também o desejo dos cineastas de se organizar em associação para promover o cinema. E se olharmos para os filmes seleccionados nas diferentes categorias, vê-se que há muitos jovens cineastas."

"Quando digo que houve cerca de mil propostas, é claro que não foi fácil para o Comité de Selecção, mas tentou ter muito em conta os jovens cineastas para encorajar a juventude. E como vê o continente todo com os seus numerosos países, a sua ampla diáspora…, só a pré-selecção dos filmes não é uma tarefa fácil. Os desafios são enormes! Há uma equipa permanente, desde os anos 7,  que se ocupa disso e que tem sede em Ouagadougou. Há também uma Cinemateca Africana de que o Burkina Faso é proprietária , mas cuja gestão é confiada ao FESPACO. Começou com uma dezena de filmes e hoje já tem mais de um milhar. Além disso continua a procurar filmes da história colonial  e filmes antigos. É membro da Federação internacional dos Arquivos de Filmes e trabalha também na reparação de filmes com as técnicas mais avançadas e com a cooperação internacional.”

- Portanto, se bem percebi, diz que é o FESPACO é o maior Festival do mundo. É assim mesmo!?

Ah sim, posso dizer isto porque se compararmos, por exemplo, com o Festival de Canes que é muito elitista, ou com o de Los Angeles ou ainda Toronto ou Berlim… não há, a nível mundial, um Festival que toma essa dimensão panafricana  e que engloba toda a Diáspora  em Ougadougou e que participa”.

- E sei que há também uma secção de filmes do mundo fora de concurso e que são seleccionados com base no interesse que representam para a África, não é?

Fez bem em sublinhar isto porque estava para falar disso. Trata-se efectivamente da África vista pelos outros e há, por exemplo, quatro filmes de autores italianos que serão projectados nesta edição do FESPACO. Há, portanto, as categorias de competição Longa Metragem, Ficção Curta Metragem, Documentários, Séries televisivas e há também filmes das Escolas de Cinema para encorajar, porque o FESPACO tem gerado, realmente, toda uma dinâmica de cinema a nível continental;  há pequenos festivais a nível de países, de regiões, mas o FESPACO é o maior Festival que reúne essas pessoas todas.

E é desde os anos 80 que tem também o MICA, Mercado internacional de Cinema Africano,  que já vai na sua 18ª edição. E tudo é feito para que tenha realmente o nível standard internacional  de forma a pôr em contacto produtores e os vários aquirentes.  

De sublinhar ainda que desde há alguns anos para cá – a partir das séries televisivas americanas e latino-americana que eram propostas à África – o continente começou a produzir as séries televisivas, nem falo da Nigéria, com Noliwood, mas há muitas séries…”

Um dos momentos fortes e espectaculares do FESTIVAL é certamente a cerimónia de Abertura perante milhares de cidadãos do Burkina-Faso e pessoas idas de várias partes do mundo. Aliás, normalmente, há mesmo um país convidado de honra. Este ano é a Costa do Marfim que, ao longo dos anos, tem mostrado muito interesse na valorização e dinamização do cinema… Além disso, há uma cerimónia especial assente na tradição africana que acontece no dia seguinte à abertura oficial:

 A cerimónia oficial de abertura terá lugar no sábado a partir das 16 horas no Estádio Municipal de Ouagadougou com um grande concerto que será animado por muitos artistas, o principal dos quais Alpha Blondy, pois, a Costa do Marfim é o país convidado de honra. E no dia seguinte, de manhã cedo, os artistas se reunirão em volta do Monumento ao Cinema que domina a Rotunda dos Cineastas, para fazer o rito de libação aos antepassados e para venerar a memória dos cineastas, artistas, coreógrafos, todos os profissionais de cinema que faleceram no último ano. Aliás, na avenida que parte dessa rotunda e vai até à Catedral tem sido progressivamente colocados estátuas em bronze, tamanho natural dos cineastas, a começar pelos primeiros como Oumarou Ganda, Sambène Oussamane e assim por diante. Mas aproveito para dizer que esta iniciativa que se enraíza na tradição africana – libação dos antepassados – levou a Igreja católica, desde há alguns anos, a celebrar uma “Missa dos Cineastas”  no domingo a seguir à abertura do Festival. E este ano essa Missa abrirá aquilo a que chamamos de “Jornadas Cristãs de Cinema”  sobre o tema “Cinema e Construção da Memória Colectiva da Igreja, Família de Deus”, depois de cem anos de Evangelização  - porque o Burkina-Faso está a preparar-se para celebrar o seu centenário - caminhar em direcção à consolidação da sua identidade como “Igreja Família”  para além dos cem anos de evangelização.”

- P. Janvier, como cidadão do Burkina-Faso que cresceu nesse clima de FESPACO, o que tem deixado em si, nos africanos, este grande evento cinematográfico?

 “Diria simplesmente que para estruturar as nossas sociedades africanas totalmente extrovertidas – eu bebi do cinema africano como uma criança bebe o leite – porque é através das imagens que se nutre o imaginário, e se recorda, certamente, da antiga Ministra maliana da Cultura, Aminata Traoré, que escreveu um livro intitulado “A violação do Imaginário”. Então, se deixarmos o nosso imaginário ser violado, violentado por imagens alheias… - é claro que temos necessidade de diversificar – mas tínhamos chegado a um ponto em que a dominação do imaginário pelo cinema mundial era uma dominação ocidental, o que fazia com que as nossas referencias, a nossa própria identidade, estivesse realmente ausente. E por isso, enquanto burkinabê,  me sinto orgulhoso… quando se fala do Burkina Faso, diz-se que é um dos países mais pobres do mundo, eu respondo: sabeis, em dignidade somos talvez os mais ricos do mundo! A nível cultural essa dignidade revelou-se na ajuda dos primeiros que tiraram do seu bolso para dar o impulso… Indo a esta edição do FESPACO vou certamente encontrar cineastas como Gaston Kaboré,  Idrissa Ouedraogo… construi a minha juventude com gente como Sotigui  Kouyaté (paz à sua alma!) e os seus filhos que estão agora no mundo do cinema, mas foi uma emulação para nós todos, para ajudar os nossos povos a sonhar, a partir das suas imagens, a sonhar um mundo melhor.

Procuro nunca perder, por nada deste mundo, o Festival, porque em cada edição vê-se o que habita o imaginário dos africanos em todos os cantos, de norte a sul, de este a oeste. Numa semana, sonha-se o futuro e toma-se consciência  do que somos hoje e do que sonhamos para o futuro. E como dizia, há o MICA que é também um lugar de encontro, e há, de cada vez, debates culturais e eu vou participar também num simpósio criado a nível do Burkina-Faso para o Diálogo entre Religiões e Culturas com vista na Paz”.  

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FESPACO, cuja 25ª edição inicia este sábado 25 de Fevereiro em Ouagadougou, capital do cinema africano. Na próxima terça feira falaremos aqui doutros aspectos do envolvimento da Igreja em África neste Festival… 

(DA) 








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