2016-12-07 13:17:00

Sorriso à vida e resignação - P. Manuel João recorda assim a África (II)


 P. Manuel João Pereira Correia, missionário comboniano, português,sofre desde há cerca de cinco anos, de ELA, Esclerose Lateral Amiotrófica, uma doença rara invalidante. Actualmente encontra-se em Verona numa casa da Congregação comboniana para cuidados especiais. Conforme nos disse em entrevista telefónica, já só move a cabeça, respira mais ou menos e fala. Mas, graças a Deus, vive a sua situação com serenidade e alegria, convicto de que tudo na vida pode representar uma nova oportunidade positiva. Assim, embora sentindo-se prisioneiro no seu próprio corpo, sabe que Deus e os amigos estão com ele nessa prisão, e faz da sua cadeira de rodas um púlpito para continuar a falar de Deus e a convidar todos a sorrir à vida. Sacerdote desde 1978, o P. João Manuel foi missionário durante 16 anos em África, mais precisamente no Togo, Gana e Benin e tem boas recordações, assim como uma visão crítica de alguns aspectos culturais dessa área da África. 

Oiça aqui a segunda parte da entrevista que nos concedeu: 

- P. Manuel João que recordações têm então desses países? 

“As recordações são tantas e são muito bonitas. Primeiro, a impressão que me ficou é a da alegria, da capacidade de acolhimento que mostras as pessoas daquela zona da África, onde estive: Togo, Gana e Benin. E devo dizer que talvez tenha sido um privilégio, porque não [nunca?] encontrei uma atitude assim de acolhimento natural, espontâneo, optimista, alegre do estrangeiro como nestes países. A primeira impressão é precisamente aquela de me encontrar, de certa maneira, sempre estrangeiro naturalmente, mas desejado. Aliás, mesmo a palavra com que eles designavam o estrangeiro é “o homem do desejo”, desejo no sentido de que o estrangeiro vai à procura de qualquer coisa, mas é desejado. E eu me senti sempre bem no meio desses povos.

Depois há também as necessidades, às vezes urgentes, esse sentido de impotência  diante de tantos males, às vezes da doença, de não ter curas adequadas e, então aí entre uma outra impressão que muito boa que me ficou: esta capacidade de sorrir à vida, mesmo quando a vida é tão frágil; esta capacidade também de acolher a morte, a doença, a infelicidade como parte da vida. Portanto, essa grande capacidade de sorrir à vida, de aceitar também da vida esta fragilidade: hoje vivo, amanhã posso morrer, ou talvez terei que sofrer a fome, mas hoje vivo e, por isso, estou contente, estou alegre; esta capacidade de sorrir à vida ficou-me profundamente na alma.”

- P. Manuel João, as culturas têm coisas belas, como estas que já sublinhou, e também aberrações que é preciso corrigir para sermos cada vez mais humanos. O que é que viu nesses países e que disse: ah, isto seria melhor que não houvesse. Há que trabalhar para melhorar este aspecto?!

“Uma delas é quase o outro lado da medalha. É a resignação. Às vezes demasiada resignação; falta esta capacidade de reagir aos infortúnio, de prever o futuro, de certa maneira, pensar que há que prepara o amanhã e não simplesmente acolhê-lo como chega. Portanto, a fatalidade às vezes joga muitas surpresas e este, talvez, é um aspecto. O segundo, uma coisa que também me impressionou tantíssimo, não digo que seja em todas as culturas, mas concretamente naquele âmbito, às vezes é a inveja; portanto, aquele sentido de solidariedade de que todos somos iguais, se um sobressai pode facilmente ser objecto de inveja. E às vezes, essa inveja em âmbito pagão leva a extremos. A zona onde eu estava era  zona do Vodu em que havia toda a magia negra (…), a feitiçaria. Às vezes recorrem a venenos e tudo isso. Recordo-me até que, às vezes, mesmo os alunos procuravam não sobressair, ou que os nomes deles não estivesse na cabeça da lista porque tinham medo de ser objecto dessas invejas. Recordo-me de tantos episódios, mesmo dentro da mesma família, que iam neste sentido de envenenar um membro da família só porque sobressaía; ou até – não agora, mas há uma boas dezenas de anos – nas aldeias ninguém podia construir uma casa se não fosse o chefe – com dois andares para não sobressair sobre os outros. Isto podia salvar realmente a inveja de muitos.”

- Acha que este problema da inveja, da feitiçaria, do mau olhado, enfim, dessas coisas todas, deve ser debatido, nos foros em que se fala de desenvolvimento do continente africano?

“Ah, sim, isso sem dúvida. E já o fazem, mas é muito difícil naquele contexto onde viva, era muito meter em questão estas crenças. Às vezes, quando eu manifestava um bocadinho ironicamente ou me ria de certas crenças, diziam-me: pá, tu és branco, não podes compreender isto. E vejo que nós missionários éramos bastante livres destas crenças, também porque eles nos respeitavam. Mas vejo que o clero local, de certa maneira, às vezes acreditavam nestas coisas. Portanto, o estar dentro da cultura limita muito a capacidade de discernimento da pessoa. Mas acho que a Igreja está a enfrentar este problema, mas vai durar muito. Eu recordo-me de catequistas (e poderia dizer, entre parenteses, também sacerdotes locais) que davam por descontado que certas crenças fossem verdade, não é, sobre a eficácia de certos ritos e tudo isso… É que às vezes, os ritos, naturalmente para dar mais força àquilo que proclamam usam também venenos e coisas deste género, não é?! Mas, claro, é um tema muito forte e ainda estamos muito longe. Muitas vezes o cristianismo fica ainda à superfície, a alma continua enraizada nesta cultura ancestral que é a crença no vodu.”

- Quantos anos, ao todo, esteve em África, P. Manuel João?

“Estive 16 anos”

- 16 anos, é muito, não é?

“Não, não é muito. Confrades que estão aqui comigo, estiveram 50, 60 anos. Eu sou mesmo um novato nestas coisas”.

(DA) 








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