É bom que assim seja, porque permite-nos ver a ânsia de Jesus por ensinar, acompanhar,
curar e alegrar a começar da súplica de sua Mãe: «Não têm vinho!»
As bodas de Caná repetem-se em cada geração, em cada família, em cada um de nós
e nossas tentativas de fazer com que o nosso coração consiga apoiar-se em amores duradouros,
fecundos e felizes. Demos um lugar a Maria, «a mãe», como diz o evangelista. Façamos
com Ela o itinerário de Caná.
Maria está atenta naquelas bodas já iniciadas, é solícita pelas necessidades dos
esposos. Não Se fecha em Si mesma, não Se encerra no seu mundo; o seu amor fá-La «ser
para» os outros. E, por isso, Se dá conta da falta de vinho. O vinho é sinal de alegria,
de amor, de abundância. Quantos dos nossos adolescentes e jovens percebem que, em
suas casas, há muito que não existe nenhum! Quantas mulheres, sozinhas e tristes,
se interrogam quando foi embora o amor, quando se diluiu da sua vida! Quantos idosos
se sentem deixados fora da festa das suas famílias, abandonados num canto e já sem
beber do amor diário. A falta de vinho pode ser efeito também da falta de trabalho,
doenças, situações problemáticas que as nossas famílias atravessam. Maria não é uma
mãe «reclamadora», não é uma sogra que espia para se consolar com as nossas inexperiências,
erros ou descuidos. Maria é simplesmente mãe! Permanece ao nosso lado, atenta e solícita.
Maria é Mãe!
Maria, porém, dirige-Se com confiança a Jesus, Maria reza. Não vai ao chefe de
mesa; apresenta a dificuldade dos esposos directamente a seu Filho. A resposta que
recebe parece desalentadora: «Que tem isso a ver contigo e comigo? Ainda não chegou
a minha hora» (v. 4). Mas, entretanto, já deixou o problema nas mãos de Deus. A sua
solicitude pelas necessidades dos outros apressa a «hora» de Jesus. Parte desta hora,
desde o presépio até à cruz – Ela soube «transformar um curral de animais na casa
de Jesus, com uns pobres paninhos e uma montanha de ternura» (EG 286), e recebeu-nos
como filhos quando uma espada Lhe trespassava o coração –, Maria ensina-nos a deixar
as nossas famílias nas mãos de Deus; a rezar, acendendo a esperança que nos indica
que as nossas preocupações também preocupam a Deus.
Rezar sempre nos arranca do perímetro das nossas preocupações, fazendo-nos transcender
aquilo que nos magoa, agita ou falta a nós mesmos para nos colocarmos na pele dos
outros, calçarmos os seus sapatos. A família é uma escola onde a oração também nos
lembra que há um nós, que há um próximo vizinho, patente: vive sob o mesmo tecto,
compartilha a vida e está necessitado.
Maria, finalmente, actua. As palavras «fazei o que Ele vos disser» (v. 5), dirigidas
aos serventes, são um convite dirigido também a nós para nos colocarmos à disposição
de Jesus, que veio para servir e não para ser servido. O serviço é o critério do verdadeiro
amor. E isto aprende-se especialmente na família, onde nos tornamos servidores uns
dos outros por amor. Dentro da família, ninguém é descartado; nela, «aprende-se a
pedir licença sem servilismo, a dizer “obrigado” como expressão duma sentida avaliação
das coisas que recebemos, a dominar a agressividade ou a ganância, e a pedir desculpa
quando fazemos algo de mal. Estes pequenos gestos de sincera cortesia ajudam a construir
uma cultura da vida compartilhada e do respeito pelo que nos rodeia» (LS 213). A família
é o hospital mais próximo, a primeira escola das crianças, o grupo de referência imprescindível
para os jovens, o melhor asilo para os idosos. A família constitui a grande «riqueza
social», que outras instituições não podem substituir, devendo ser ajudada e reforçada
para não perder jamais o justo sentido dos serviços que a sociedade presta aos cidadãos.
Com efeito, estes não são uma espécie de esmola, mas uma verdadeira «dívida social»
para com a instituição familiar, que tanto contribui para o bem comum de todos.
A família também forma uma pequena Igreja, uma «Igreja doméstica» que, juntamente
com a vida, canaliza a ternura e a misericórdia divina. Na família, a fé mistura-se
com o leite materno: experimentando o amor dos pais, sente-se envolvido pelo amor
de Deus.
E, na família, os milagres fazem-se com o que há, com o que somos, com aquilo que
a pessoa tem à mão. Muitas vezes não é o ideal, não é o que sonhamos, nem o que «deveria
ser». O vinho novo das bodas de Caná nasce das talhas de purificação, isto é, do lugar
onde todos tinham deixado o seu pecado. «Onde abundou o pecado, superabundou a graça»
(Rm 5, 20). Na família de cada um de nós e na família comum que todos formamos, nada
se descarta, nada é inútil. Pouco antes de começar o Ano Jubilar da Misericórdia,
a Igreja vai celebrar o Sínodo Ordinário dedicado às famílias, para amadurecer um
verdadeiro discernimento espiritual e encontrar soluções concretas para as inúmeras
dificuldades e importantes desafios que a família deve enfrentar nos nossos dias.
Convido-vos a intensificar a vossa oração por esta intenção: para que, mesmo aquilo
que nos pareça impuro, nos escandalize ou espante, Deus – fazendo-o passar pela sua
«hora» - possa milagrosamente transformá-lo. A família tem hoje tanta necessidade
deste milagre.
Tudo começou porque «não tinham vinho» e tudo se pôde fazer porque uma mulher –
a Virgem Maria – esteve atenta, soube pôr nas mãos de Deus as suas preocupações e
agiu com sensatez e coragem. Mas, não é menos significativo o dado final: saborearam
o melhor dos vinhos. E esta é a boa nova: o melhor dos vinhos ainda não foi bebido,
o mais gracioso, profundo e belo para a família ainda não chegou. Ainda não veio o
tempo em que saboreamos o amor diário, onde os nossos filhos redescobrem o espaço
que partilhamos, e os mais velhos estão presentes na alegria de cada dia. O melhor
dos vinhos ainda não veio para cada pessoa que aposta no amor. E ainda não veio, mesmo
que todas as variáveis e estatísticas digam o contrário; o melhor vinho ainda não
chegou para aqueles que hoje vêem desmoronar-se tudo. Murmurai até acreditá-lo: o
melhor vinho ainda não veio; e sussurrai-o aos desesperados ou que desistiram do amor.
Deus sempre Se aproxima das periferias de quantos ficaram sem vinho, daqueles que
só têm desânimos para beber; Jesus sente-Se inclinado a desperdiçar o melhor dos vinhos
com aqueles que, por uma razão ou outra, sentem que já se lhes romperam todas as talhas.
Como Maria nos convida, façamos «o que Ele nos disser» e agradeçamos por, neste
nosso tempo e nossa hora, o vinho novo, o melhor, nos fazer recuperar a alegria de
ser família.