2015-05-05 12:59:00

Um Sínodo sobre a Mulher na Igreja? Ideia lançada em Roma


Uma metodologia do diálogo, mas também a ideia de um Sínodo sobre a Mulher, foram algumas das ideias fortes que emergiram do colóquio “Mulher na Igreja: perspectivas em diálogo”, realizado terça-feira passada, em Roma, por duas importantes figuras femininas ligadas à Igreja: uma leiga e uma religiosa. Saiba mais na rubrica “África. Vozes Femininas” com as vozes de algumas participantes, entre as quais duas africanas:

Teve lugar no passado dia 28 de Abril, na Pontifícia Universidade Antonianum, em Roma, um colóquio intitulado “Mulher na Igreja: perspectivas em diálogo”. A ideia nasceu casualmente dum diálogo entre a jovem religiosa italiana e primeira mulher Reitora duma Universidade Pontifícia, Mary Melone, e da Embaixadora do Chile junto da Santa Sé, Mónica Jiménez de la Jara, ela também com experiência de Reitora numa Universidade Católica chilena e ex-Ministra da Educação no seu país.

As questões que estas duas mulheres se puseram tinham que ver com o porquê é que as mulheres têm dificuldades em chegar a lugares de influência na sociedade e na Igreja; o que podem fazer as próprias mulheres e as instituições para ultrapassar essas dificuldades; ou ainda: podem as mulheres enriquecer as instituições com as suas diversas perspectivas e pontos de vista?

Com estas interrogações e cientes do facto de o Papa Francisco ter manifestado o desejo de que a Igreja dê mais atenção às mulheres, mas conscientes de que não obstante o empenho activo da mulher na Igreja, existe ainda um grande fosso entre o verdadeiro valor daquilo que as mulheres dão à Igreja e o seu acesso a posições de relevo, decidiram organizar esse colóquio que reuniu pessoas de vários continentes, leigos e religiosos de ambos os sexos.

Na abertura do encontro participou o Cardeal Gianfranco Ravasi, Presidente do Conselho Pontifício para a cultura.

De entre as intervenções de destacar a da teóloga italiana especialista em questões femininas, Cettina Militello que falou da “Mulher na Igreja, modelos do passados, desafios do presente”

No que toca às intervenções em representação dos diversos continentes, de salientar a intitulada “Mulheres latino-americanas: atrás dos passos de Maria, ou a sua sombra?” em que a relatora chilena, Carolina del Rio, chamou a atenção para a necessidade dum estudo sobre a Mariologia com um olhar feminino e da mulher de hoje com todos os seus desafios e problemáticas.

Em nome da África falou a irmã Glória Wirba Kenyufoon, Missióloga, dos Camarões, segundo a qual a mulher em África interpela a Igreja, pedindo-lhe mais espaço:

“Pede à Igreja africana para criar um espaço em que ela possa tomar a palavra, exprimir os seus talentos, através de iniciativas que reforcem o seu valor, a sua auto-estima e a sua tenacidade, a sua vocação como mulher na Igreja e a sua missão”

Instada a falar da resposta da Igreja a essa interpelação, essa religiosa respondeu:

“A Igreja já fez algum esforço, está a fazer, mas há ainda muito caminho a andar. Há países onde este esforço é maior e outros que estão praticamente no início. Se pensarmos no estudo da teologia, há países em que as mulheres não podem (mesmo as consagradas) estudar teologia nos seminários maiores e há outros em que há mulheres docentes de teologia nos seminários e noutras instituições de educação”.

A dificuldade está, segundo a irmã Glória, no facto de os Europeus terem levado à África o cristianismo juntamente com a sua cultura, que era bastante machista. Além disso, pondo de lado algumas sociedades africanas matrilineares, as culturas africanas são também machistas e tudo isso junto não tem favorecido a mulher, sobretudo no âmbito público, relegando-a à esfera doméstica.

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O encontro contou também com trabalhos de grupo em que as pessoas foram convidas a indicar o que acharam mais importante da plenária e o que propunham. Nalguns grupos o debate foi muito aceso, sobretudo entre religiosas e padres da África. No final a colega Romilda Ferrauto entrevistou a irmã congolesa Vicki, das Missionárias da África que disse:

“Vejo que há muito a fazer. O meu sentimento é – se posso dizer a verdade – de revolta, por ver que na época histórica em que estamos a viver, fala-se ainda do lugar a dar à mulher, de pensar pela mulher, de falar da mulher e não se implica a mulher nesse debate. Tomam-se decisões que dizem respeito à mulher sem que ela seja consultada. Escrevem-se belas coisas, mas quando se passa à prática é como se isso não existisse.”

Onde está então o problema?

“O problema é que viemos duma tradição de tal forma masculina que se tornou quase normal, mesmo no imaginário da mulher, que tudo o que o homem diz, é palavra de Deus”

E onde se situa o problema, a nível dos seminários, onde os seminaristas são ensinados a mandar, inclusive sobre a mulher – perguntou a Romilda?

“Não só nos seminários. Há o problema a nível dos seminários, mas se olharmos mais amplamente  à sociedade, há também o nível cultural. Sou africana e conheço bastante bem as culturas africanas e vi que na educação, a mulher inculca na sua filha esse complexo de inferioridade e a menina cresce com isso na mente. Em casa dizem-lhe que o irmãozinho vale mais do que ela, que ele tem mais direitos do que ela, que ele tem direito a ir à escola e ela não, que ele tem direito à melhor porção e ela não, que não deve sentar-se desta ou daquela maneira, que não deve falar desta dou daquela maneira, que não deve fazer isto, aquilo e aqueloutro … e é a mulher quem põe tudo isso na cabeça da menina”.

Quando se diz que se tem feito progresso no que toca à mulher na Igreja, a irmã Vicky discorda quase totalmente…

“Bem houve algum pozinho de progresso. Sobretudo nos escritos, há muito progresso. E quando se fala de Igreja, estamos já… não sei o quê… bom muita coisa, quilómetros nos livros, boas intenções que, na realidade, não rimam em nada.”

A irmã Vicki foi ainda mais longe, dizendo que na sua experiência de religiosa que já percorreu muitos países da África, há um recuo, no que toca à mulher na Igreja:

“Infelizmente sim, porque Dioceses que conheci antes e que faziam participar a mulher em tudo o que se fazia…. segundo o que a Igreja masculina permitia na altura…, hoje parece-me que há um recuo. Vi Dioceses em que se diz que as mulheres já não podem fazer a leitura; não podem distribuir a comunhão, devem ter a cabeça coberta para irem à Igreja e coisas assim… Pergunto-me donde vem tudo isto, sobretudo depois dum Sínodo que disse que se deve dar iguais oportunidades aos filhos de Deus, aos discípulos de Cristo. Mulheres e Homens somos todos filhos de Deus, somos todos discípulos de Cristo. Não vejo porque é que tem de haver tantas diferenças”.

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No final do colóquio uma das jornalistas da Rádio Vaticano, Gudrun Sailer, pediu à Reitora, Mary Melone, para fazer, na qualidade de uma das organizadoras do colóquio, um balanço do mesmo:

“Talvez seja ainda prematuro fazer um balanço no sentido do contributo à reflexão. Pessoalmente, penso que foram tocados muitos temas importantes sobre os quais é necessário reflectir para se poder avançar neste caminho – como diz o Papa Francisco – de abertura às mulheres. Mas, para além das temáticas que emergiram e que requerem uma reflexão de um outro respiro, creio que o que foi importante foi antes de mais o interesse demonstrado pelas pessoas; a participação é sinal de que os tempos estão maduros para nos abrirmos nesta direcção, porque há muito desejo, muita colaboração, muita escuta e não só da parte de mulheres, como se se tratasse de dois grupos contrapostos, mas também da Igreja. A presença do Cardeal Ravasi, de Embaixadores e de tantos participantes homens, é sinal de que chegou o momento de um diálogo aberto, sem preconceitos e contraposições. A metodologia do encontro e a possibilidade de ouvir realidades culturais e eclesiais diferentes. Embora tenha emergido aspectos problemáticos na relação Mulher/Igreja, foi preponderante a vontade de construir e de fazer da Igreja um autentico espaço de comunhão. Um dos aspectos sublinhados foi falar não tanto da mulher, mas com a mulher. E esta é uma necessidade que sentimos muito no âmbito da teologia, quer dizer, não nos reconhecemos como objecto de estudo como se fossemos um problema a enfrentar, mas nos sentimos interlocutoras activas. Esta perspectiva poderia, por ex., ser mais sublinhada quase que como uma escolha metodológica: não fazer da mulher um âmbito sobre o qual debater, mas deixar falar a mulher, pôr-se em dialogo com ela” .

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Uma das propostas feitas por uma das intervenientes na plenária foi a realização de um Sínodo sobre a mulher. É que, justificou a irmã Carol Keehan, dos Estados Unidos, quando se quer compreender melhor uma questão na Igreja, convoca-se um Sínodo dos bispos, então porque não realizar um Sínodo para ouvir o que a mulher tem a dizer? As reacções a esta proposta foram diversas:

A irmã Glória Wirba Kenyufoon, por exemplo, considera que se é para dizer que as mulheres devem fazer tudo o que os homens fazem, não tem sentido. Além disso, para a África, essa ideia é prematura:

“Não estamos ainda a este nível, porque como disse, estamos ainda a trabalhar para o reconhecimento da missão da mulher e, enquanto isto não se verificar, pedir um Sínodo para a mulher é pedir muito, porque não temos ainda as bases. Estamos a nível elementar. Há grupos, seja na sociedade, seja na Igreja, que se debruçam sobre estas questões e através delas a voz da mulher chega à Igreja. É preciso encorajar esses grupos, promovê-los, dar ouvidos ao que dizem, porque quando se chega a níveis mais altos da Igreja, não são escutados.”

Quanto à irmã Mary Melone, promotora juntamente com a Embaixadora do Chile, desse encontro, a ideia de um Sínodo é entusiasmante:

“Ouvi esta proposta, e tal como quem a propôs, fiquei entusiasmada, mas na perspectiva que referi antes, isto é, de um Sínodo em que a mulher não seja só objecto de estudo, mas tenha um espaço, e quero dizê-lo com as palavras do Papa Francisco que foi verdadeiramente encorajador: a voz da mulher tenha um peso, seja reconhecido por aquilo que é na Igreja, não concessão, porque também ela é Igreja. Sínodo das mulheres quer dizer um Sínodo em que elas possam ser parte activa, um Sínodo não exclusivamente de mulher e numa óptica reivindicativa, mas na óptica do encontro, em que elas também tenham voz, e uma voz reconhecida com autoridade”.

Tendo em conta a posição da irmã Vicky, para a qual em determinados contextos africanos a Igreja está a andar para trás,  a Romilda Ferrauto perguntou-lhe directamente se é necessário um Concílio Vaticano III:

“Sim, com urgência, muito, muito urgentemente e em que sejam convocadas todas as faixas e onde a representação de mulheres não seja como observadoras, mas como participantes plenas, que haja equilíbrio na participação, porque hoje há mulheres que são mais qualificadas que os homens em Teologia, em História da Igreja e em muitas outras coisas, mas quando se chega à questão do espaço… diz-se: isto é reservado aos homens…, isto é reservado aos homens…, as mulheres não podem, enquanto que os homens…. E há alguns que são incapazes de fazer  o que essas mulheres seriam capazes de fazer, se tivessem ocasião”.  (DA)








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