2015-03-24 20:25:00

"Plano de Regeneração da África" de São Daniel Comboni


Um “Plano de regeneração da África”. A ideia foi de São Daniel Comboni, que o elaborou em 1864 e iniciou a pô-lo em prática. Passados 150 anos, que leitura se pode fazer das grandes mudanças da África à luz desse plano? O assunto foi enfrentado num colóquio organizado pelas duas Congregações (feminina e masculina) combonianas sob o título “A África em Caminho”. Foi em Roma, de 13 a 15 deste mês de Março. P. Efrem Tresoldi ilustra o tema e fala das afinidades entre esse plano e o "Renascimento Africano" que muitos líderes africanos têm hoje como meta. 

O encontro reuniu personalidades políticas, missionárias e da sociedade civil da Itália, da África e da sua diáspora. Uma delas foi Samia Nkumah, filha de Kwame Nkumah, um dos grande líderes da independência da África e da sua integração através da OUA, hoje UA.

Mas que afinidade há entre esse plano de regeneração da África elaborada há um século e meio por São Daniel Comboni e o Renascimento da África de que falam os líderes africanos de hoje? Esta uma das perguntas que pusemos ao P. Efrem Tresoldi, comboniano, actual director da revista  “Nigrizia”, através da qual esta Congregação comboniana masculina informa mensalmente em Itália, sobre a África.  Resposta que vem já a seguir, na rubrica de hoje…

Estava-se no ano de 1864, quando o então bispo italiano, Daniel Comboni, que consagrou a sua vida à África, ideou um “plano da regeneração da África pela África”. Um plano que advinha da sua profunda convicção de que somente os africanos podem salvar a África, regenerá-la do ponto de vista sócio-económico, moral, religioso. A regeneração que Comboni tinha em mente passava pela promoção social através da cultura, da instrução, da saúde, tudo inspirado nos valores do Evangelho, prevendo, portanto o nascimento de novas comunidades cristãs no continente. Comboni previa a criação de centros culturas, universidades… em todo o território africano. Um plano ambicioso que ele, infelizmente, só pôde concretizar no Egipto, onde edificou diversos colégios para meninas e rapazes. Ele viria a falecer no Sudão em 1881, depois de ter sido nomeado Bispo da África central em 1877.

Mas não há dúvida de que com esse plano teve uma grande intuição, que os combonianos e combonianas quiseram tomar em análise no colóquio de Roma:

“Quis-se, precisamente, compreender o que resta desta intuição de Comboni e em que medida pode ser relida à luz das grandes mudanças destes 150 anos”.

Então, houve quem a interpretasse em chave de reconstrução económica da África hoje. Não obstante a maior parte dos países do continente tenha obtido a independência política há 50 anos, a economia africana continua a ser sobretudo de exportação e não de transformação dos seus produtos; o que não favorece o desenvolvimento tecnológico, as capacidades de gestão, a criação de emprego, criando, isso sim, dependência do exterior. Foi também sublinhado no colóquio que a África não poderá desenvolver-se se não houver líderes políticos do calibre de Nkuame Nkrumah, Nyerere, Mandela… figuras de homens altruístas capazes de olhar para o bem dos povos africanos. “A regeneração não poderá acontecer se não houver este salto de qualidade”.

Foi também sublinhado que a regeneração não poderá acontecer se continuar este fluxo hemorrágico das migrações africanas, o que empobrece a África e enriquece de energias humanas novas continentes como a Europa, convidada, aliás, a reconhecer este contributo da África para o seu desenvolvimento. Quanto à África deve encontrar a forma de não continuar a perder as suas forças humanas. Só assim poderá ter sentido o Renascimento da África de que os líderes africanos falam hoje e que parece ter alguma afinidade com o Plano de regeneração da África pela África de São Daniel Comboni…

“Sim, Renascimento pensando também no Comboni que lutou contra a escravatura, contra os elementos externos e estruturais que impedem aos povos de emergir, de gozar da sua liberdade, de progredir. Não há dúvida de que nesta palavra “regeneração” está também a palavra libertação, emancipar-se de todas as formas de escravatura política, económica, cultural.”

E neste sentido, o P. Efrem recordou as recentes oposições e mesmo revoltas de populações em diversos países africanos (Congo, Burundi, Burkina-Faso) contra os projectos de chefes de Estado de modificar as respectivas Constituições nacionais para poderem permanecer no poder.

Estamos aqui, portanto, perante uma sociedade civil africana muito mais activa e consciente do seu papel social, mas sabemos que, de forma geral, e a nível da liderança política, fala-se hoje muito em “Renascimento da África”. Isto vem de algum modo na linha de continuidade daquilo que previa o Plano de regeneração, ideado por São Daniel Comboni?

“Certamente, mas diria que ainda de forma muito embrionária. Há uma certa tentativa da parte da União Africana de procurar vias comuns de entendimento sobretudo no sentido de enfrentar os numerosos conflitos armados que minam a estabilidade de muitos países na área saheliana, na luta contra o terrorismo. Os instrumentos adoptados não são ainda talvez dos mais adequados, mas é certamente um sinal de tomada de consciência de um certo pan-africanismo invocado por Nkrumah, pelos primeiros fundadores das Nações africanas. Há também as organizações de unidade a nível regional que nalguns casos funcionam pelo menos a nível de trocas comerciais e que ajudam o desenvolvimento e levam os países a interagir em prol do bem comum”

Terá o colóquio de Roma sobre a análise dos problemas da África, a 150 do plano de regeneração ideado por Comboni, dado os frutos esperados? O P. Efrem considera que o tempo de um colóquio é pouco para compreender bem o percurso de um continente tão grande como a África em 150 anos, mas uma coisa ficou clara:

“Em África tem havido um aumento exponencial de importação de armas, sobretudo armas ligeiras. Isto põe em causa o resto do mundo, porque sabemos que há somente três países africanos que fabricam armas: África do Sul, o Egipto e o Sudão. A grande quantidade de armas vai do exterior e, portanto, também da Itália. É necessário um empenho sério para bloquear este fluxo de armas que continua a alimentar conflitos e a pôr em causa as perspectivas futuras desses países”.

O Plano de Daniel Comboni para o desenvolvimento da África mediante o protagonismo dos próprios africanos previa também a indigenização da Igreja no Continente. O que em grande medida se está a verificar – frisa ainda o P. Efrem, citando o Presidente da Congregação da Santa Sé para a Evangelização dos Povos :

“O Cardeal Filoni, na missa de conclusão dizia na homilia que naquele tempo havia só quatro circunscrições eclesiais em África. Hoje as Dioceses e Vicariados em toda a África são ao todo 536 com 600 bispos, 40 mil sacerdotes e um número ainda muito maior de religiosos e religiosas. Há, portanto, uma Igreja que está, num certo sentido, à medida de suprir às próprias necessidades pastorais da África, uma Igreja que é, aliás, convidada a não acomodar-se, mas sim a alimentar este ímpeto missionário, mesmo em relação a continentes como a Europa que se estão a descristianizar e a tornar-se terra de missão.”

Instado a falar de alguma intervenção no colóquio “A África em Caminho” que o tenha tocado de modo particular, o Director da revista “Nigrizia” respondeu:

“Diria a de Samia Nkumah, a filha de Kwuame Nkrumah. Ela sublinhou fortemente o desejo da África de manter a sua independência política, mas também de ter a sua independência económica; isto tendo em conta que 40% dos recursos energéticos do mundo encontram-se precisamente no continente africano. Mas este continente tão rico encontra-se prostrado, incapaz de satisfazer as necessidades nacionais, dependendo sempre de ajudas externas. Samia Nkrumah desafiou a reflectir sobre a necessidade duma maior autonomia da África para que possa controlar os seus próprios recursos. Samia fazia notar que os acordos económicos mais conhecidos como “Economic Partnership  Agreements” entre a Europa, África e Caraíbas, que deverão entrar em vigor daqui a cerca de um ano, são acordos cabrestos, que estrangulam, pois que impõem aos Estados africanos a abolição de impostos alfandegários para produtos europeus, reduzindo assim as entradas ficais para os Estados africanos. Mas, por outro lado, a Europa não renuncia às subvenções sobre os seus produtos agrícolas que são depois exportados para a África, criando assim uma competição incorrecta com a produção agrícola africana. Isto torna-se numa verdadeira praga para os mercados e para a produção local da África”.

(DA)








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