Rio de Janeiro (RV) - A Terceira Assembleia Geral Extraordinária do Sínodo
dos Bispos, que aprofundou os desafios pastorais sobre a família no contexto da evangelização,
foi uma segunda etapa de um processo de aprofundamento que o Papa Francisco está inovando
neste tempo de mudança de época.
Em 2015 estaremos comemorando o cinquentenário
da criação deste instrumento, fruto do Concílio Vaticano II e criado pelo Papa Paulo
VI, beatificado no domingo passado. É um organismo que ajuda a Igreja a aprofundar
os temas importantes da atualidade, consultando as bases e refletindo com os Bispos,
em Assembléia, que entregam ao Papa suas sugestões sobre o assunto, e que, a seu devido
tempo, se encarrega de escrever e publicar um documento chamado Exortação Pós-Sinodal. Em
fevereiro deste ano, o Papa Francisco quis que uma primeira abordagem sobre o tema
acontecesse no consistório, quando o Cardeal Kasper fez a sua colocação sobre o assunto.
Muito já se falou desse texto e desse pronunciamento.
A secretaria geral do
sínodo enviou para todas as dioceses do mundo uma consulta com um texto sobre o assunto
e perguntas para serem respondidas por todos os interessados, o que aconteceu pelo
mundo afora. Dessas respostas gerou-se o documento de trabalho que serviu de base
para esta Assembleia Extraordinária. Do texto gerado por ela deverá sair um novo documento
com perguntas para serem respondidas pela Igreja toda, que desencadeará um novo instrumento
de trabalho para a 14ª Assembleia do Sínodo Ordinário, convocado para outubro de 2015,
sobre a vocação e missão da família na igreja e no mundo contemporâneo.
A imprensa
deu muita cobertura sobre o tema desde o primeiro momento que foi anunciado. De certa
forma nota-se que há um grande interesse para saber por onde se move a Igreja com
relação a este tema tão importante para a sociedade. Aliás, ele já foi aprofundado
no passado e gerou o documento papal “Familiaris Consortio”. Agora, é uma nova abordagem
sobre as novas situações que a família enfrenta atualmente.
O grande desafio
hoje é como repropor às pessoas, em especial aos jovens, a beleza da família e a necessidade
de vínculos definitivos e fiéis. A sociedade hodierna vai por outros caminhos. E a
Igreja sabe que aqui se joga o futuro da humanidade.
Por outro lado, também
a Igreja, como mãe carinhosa, procura ir ao encontro das pessoas e famílias que no
decorrer da caminhada foram machucadas pela vida e pela história. O Papa, junto com
os membros do Sínodo, demonstrou grande interesse em encontrar caminhos para que pudessem
sentir a proximidade da Igreja, ao mesmo tempo que encontrassem acolhida e cura de
suas feridas. O Pontífice lembrou que não seria apenas um colocar ataduras em cima
de chagas abertas sem primeiro ajudar a cura das mesmas. Ou seja, será necessário
aprofundar os caminhos com honestidade e carinho.
Alguns assuntos polêmicos
mereceram um destaque da imprensa: a comunhão dos casais de segunda união e mesmo
a possibilidade dessa outra união, como também a questão dos homossexuais. Sabemos
que muitas pessoas, devido ao tipo do noticiário, ficaram atônitas diante das várias
versões que foram publicadas. O clima no Sínodo foi muito sincero em colocar os problemas,
e fraterno na discussão dos mesmos. O grande interesse é como anunciar o Evangelho
hoje e também estar próximo das pessoas que sofrem devido a tantas situações que a
modernidade as conduziu.
O Papa Francisco disse que temos que ser criativos
e nos deixar surpreender por Deus, e que uma Igreja evangelizadora "se ajoelha para
lavar os pés", "se envolve", "estende pontes para diminuir as distâncias", "se abaixa
quando é necessário", "abraça a vida humana e toca na carne do sofrimento dos outros".
Como
é que a Igreja pode desenvolver cada vez mais essas características? O Papa Francisco
acredita que o caminho é a misericórdia. No coração da Evangelii Gaudium, ele cita
o Doutor Angélico: Tomás explica que, “no tocante às obras externas, a misericórdia
é a maior de todas as virtudes: ´em si, a misericórdia é a maior das virtudes, uma
vez que todas as outras giram em torno dela e, mais do que isso, ela supre as suas
deficiências´” (Evangelii Gaudium, 37). Ao passar às consequências pastorais deste
caminho da misericórdia, o Papa diz que, “quando falamos mais da lei do que da graça”,
temos como resultado um desequilíbrio, no qual a nossa mensagem deixa de ter “a fragrância
do Evangelho” (EG, 38-39).
Numa época de confusão quase universal sobre Deus
e sobre o ser humano, como é que vamos transmitir uma mensagem de graça e de misericórdia
sem negligenciar o magistério da Igreja? Era uma das perguntas que nos faziam durante
o Sínodo: como conciliar a doutrina com as necessidades pastorais. Uma dificuldade
é que a enunciação daquilo em que acreditamos já é sentida como um ataque contra as
pessoas que vivem de forma diferente. Abre-se uma distância acentuada entre nós, quando
deveríamos promover um vínculo materno muito próximo.
Outra dificuldade é o
fato de que falar mais sobre a graça e o perdão do que sobre a lei parece implicar
um risco moral em todos os contextos comuns: por que não haveria esse risco também
nas questões espirituais? Não há uma resposta fácil para isto. São questões difíceis.
Neste sentido, o Papa está nos levando a aprofundar e encontrar caminhos necessários
para a missão evangelizadora da Igreja.
O Papa Francisco espera do Sínodo:
um trabalho árduo em cima de um caminho de misericórdia, aplicado à crise humanitária
mais urgente dos nossos dias: o fracasso epidêmico em viver o casamento e a família
de maneira coerente com o autêntico florescimento humano. Há uma mudança de conceitos
e de valores impressionante no mundo de hoje. Como agir nesse contexto sem deixar
as verdades da revelação e, ao mesmo tempo, encontrando caminhos de proximidade daqueles
que passam pelos ferimentos das batalhas da vida?
O Prefácio do instrumento
de trabalho desta Assembleia Extraordinária lembra: “Esta ênfase na misericórdia tem
tido um grande impacto inclusive nas questões relativas ao casamento e à família,
na medida em que, longe de qualquer tipo de moralismo, ela confirma a perspectiva
cristã sobre a vida e abre novas possibilidades para o futuro, independentemente de
limitações pessoais ou de pecados cometidos. A misericórdia de Deus é uma abertura
para uma contínua conversão e um contínuo renascimento”.
O tema da misericórdia
está cada vez mais em primeiro plano como um ponto de vista importante no anúncio
do Evangelho; a relação destacou que a misericórdia não elimina a verdade e não a
relativiza, mas leva a interpretá-la corretamente no contexto da hierarquia das verdades.
“A misericórdia, portanto, tampouco anula os compromissos que nascem das exigências
do vínculo matrimonial. Estes continuam subsistindo inclusive quando o amor humano
se debilitou ou cessou”, assinala o texto.
A Mensagem Final inicia recordando
a importância da família: “Manifestamos a nossa admiração e gratidão pelo testemunho
cotidiano que vocês oferecem a nós e ao mundo com a sua fidelidade, fé, esperança
e amor”. E conclui: “vos pedimos para caminhar conosco em direção ao próximo sínodo”.
Portanto, o caminho foi aberto e traçado. Cabe, durante este ano que nos separa do
Sínodo Ordinário, aprofundarmos os temas e rezarmos para que o Espírito Santo nos
inspire os melhores caminhos e soluções para que, como cristãos e católicos, fermento
no meio da massa, fazermos a nossa parte neste tempo de tantas mudanças, indo ao encontro
das várias necessidades e indicando caminhos de superação. “Senhor, doa a todos a
possibilidade de ver florescer uma Igreja sempre mais fiel e credível, uma cidade
justa e humana, um mundo que ame a verdade, a justiça e a misericórdia”.
Orani
João, Cardeal Tempesta, O.Cist. Arcebispo Metropolitano de São Sebastião do Rio
de Janeiro, RJ