Mensagem final do Sínodo é publicada enquanto padres sinodais votam o documento conclusivo
Cidade do Vaticano (RV) – Os Padres Sinodais aprovaram, no decorrer da 14ª
Congregação Geral na manhã deste sábado, a mensagem final da III Assembleia Geral
Extraordinária do Sínodo dos Bispos sobre o tema “Os desafios pastorais sobre a família
no contexto da evangelização”. O documento conclusivo do Sínodo - Relatio Synodi
- será divulgado posteriormente enquanto o documento final será provavelmente publicado
na forma de uma Exortação Apostólica pós-sinodal do Papa Francisco, em 2015, após
o Sínodo Ordinário.
Abaixo, a íntegra da mensagem:
Nós, Padres Sinodais
reunidos em Roma junto ao Santo Padre na Assembleia Geral Extraordinária do Sínodo
dos Bispos, nos dirigimos a todas as famílias dos diversos continentes e, em particular,
àquelas que seguem Cristo Caminho, Verdade e Vida. Manifestamos a nossa admiração
e gratidão pelo testemunho cotidiano que vocês oferecem a nós e ao mundo com a sua
fidelidade, fé, esperança e amor.
Também nós, pastores da Igreja, nascemos
e crescemos em uma família com as mais diversas histórias e acontecimentos. Como sacerdotes
e bispos, encontramos e vivemos ao lado de famílias que nos narraram em palavras e
nos mostraram em atos uma longa série de esplendores mas também de cansaços.
A
própria preparação desta assembleia sinodal, a partir das respostas ao questionário
enviado às Igrejas do mundo inteiro, nos permitiu escutar a voz de tantas experiências
familiares. O nosso diálogo nos dias do Sínodo nos enriqueceu reciprocamente, ajudando-nos
a olhar toda a realidade viva e complexa em que as famílias vivem. A vocês, apresentamos
as palavras de Cristo: "Eis que estou à porta e bato. Se alguém ouvir a minha voz
e abrir a porta, entrarei em sua casa e cearei com ele e ele comigo” (Ap 3,20). Como
costumava fazer durante os seus percursos ao longo das estradas da Terra Santa, entrando
nas casas dos povoados, Jesus continua a passar também hoje pelos caminhos das nossas
cidades. Nas vossas casas se experimentam luzes e sombras, desafios exaltantes mas,
às vezes, também provações dramáticas. A escuridão se faz ainda mais densa até se
tornar trevas, quando se insinuam no coração da família o mal e o pecado.
Existe,
antes de tudo, os grandes desafios da fidelidade no amor conjugal, do enfraquecimento
da fé e dos valores, do individualismo, do empobrecimento das relações, do stress,
de um alvoroço que ignora a reflexão, que também marcam a vida familiar. Se assiste,
assim, a não poucas crises matrimoniais enfrentadas, frequentemente, em modo apressado
e sem a coragem da paciência, da verificação, do perdão recíproco, da reconciliação
e também do sacrifício. Os fracassos dão, assim, origem a novas relações, novos casais,
novas uniões e novos matrimônios, criando situações familiares complexas e problemáticas
para a escolha cristã.
Entre estes desafios queremos evocar também o cansaço
da própria existência. Pensemos ao sofrimento que pode aparecer em um filho portador
de deficiência, em uma doença grave, na degeneração neurológica da velhice, na morte
de uma pessoa querida. É admirável a fidelidade generosa de muitas famílias que vivem
estas provações com coragem, fé e amor, considerando-as não como alguma coisa que
é arrancada ou infligida, mas como alguma coisa que é doada a eles e que eles doam,
vendo Cristo sofredor naquelas carnes doentes.
Pensemos às dificuldades econômicas
causadas por sistemas perversos, pelo “fetichismo do dinheiro e na ditadura de uma
economia sem rosto e sem um objetivo verdadeiramente humano” (Evangelii Gaudium55), que humilha a dignidade das pessoas. Pensemos ao pai ou à mãe desempregados,
impotentes diante das necessidades também primárias de suas famílias, e aos jovens
que se encontram diante de dias vazios e sem expectativas, e que podem tornar-se presa
dos desvios na droga e na criminalidade.
Pensemos também na multidão das famílias
pobres, àquelas que se agarram em um barco para atingir uma meta de sobrevivência,
às famílias refugiadas que sem esperança migram nos desertos, àquelas perseguidas
simplesmente pela sua fé e pelos seus valores espirituais e humanos, àquelas atingidas
pela brutalidade das guerras e das opressões. Pensemos também às mulheres que sofrem
violência e são submetidas à exploração, ao tráfico de pessoas, às crianças e jovens
vítimas de abusos até mesmo por parte daqueles que deveriam protegê-las e fazê-las
crescer na confiança e aos membros de tantas famílias humilhadas e em dificuldade.
“A cultura do bem-estar anestesia-nos e (...) todas estas vidas ceifadas por falta
de possibilidades nos parecem um mero espetáculo que não nos incomoda de forma alguma”
(Evangelii Gaudium, 54). Fazemos apelo aos governos e às organizações
internacionais para promoverem os direitos da família para o bem comum.
Cristo
quis que a sua Igreja fosse uma casa com a porta sempre aberta na acolhida, sem excluir
ninguém. Somos, por isso, agradecidos aos pastores, fiéis e comunidades prontos a
acompanhar e a assumir as dilacerações interiores e sociais dos casais e das famílias.
Existe,
contudo, também a luz que de noite resplandece atrás das janelas nas casas das cidades,
nas modestas residências de periferia ou nos povoados e até mesmos nas cabanas: ela
brilha e aquece os corpos e almas. Esta luz, na vida nupcial dos cônjuges, se acende
com o encontro: é um dom, uma graça que se expressa – como diz o Livro do Gênesis
(2,18) – quando os dois vultos estão um diante o outro, em uma “ajuda correspondente”,
isto é, igual e recíproca. O amor do homem e da mulher nos ensina que cada um dos
dois tem necessidade do outro para ser si mesmo, mesmo permanecendo diferente ao outro
na sua identidade, que se abre e se revela no dom mútuo. É isto que manifesta em modo
sugestivo a mulher do Cântico dos Cânticos: “O meu amado é para mim e eu sou sua...eu
sou do meu amado e meu amado é meu”, (Cnt 2,16; 6,3).
Para que este encontro
seja autêntico, o itinerário inicia com o noivado, tempo de espera e de preparação.
Realiza-se em plenitude no Sacramento onde Deus coloca o seu selo, a sua presença
e a sua graça. Este caminho conhece também a sexualidade, a ternura, e a beleza, que
perduram também além do vigor e do frescor juvenil. O amor tende pela sua natureza
ser para sempre, até dar a vida pela pessoa que se ama (cf. João 15,13). Nesta luz,
o amor conjugal único e indissolúvel persiste, apesar das tantas dificuldades do limite
humano; é um dos milagres mais belos, embora seja também o mais comum.
Este
amor se difunde por meio da fecundidade e do ‘gerativismo’, que não é somente procriação,
mas também dom da vida divina no Batismo, educação e catequese dos filhos. É também
capacidade de oferecer vida, afeto, valores, uma experiência possível também a quem
não pode gerar. As famílias que vivem esta aventura luminosa tornam-se um testemunho
para todos, em particular para os jovens.
Durante este caminho, que às vezes
é um percurso instável, com cansaços e caídas, se tem sempre a presença e o acompanhamento
de Deus. A família de Deus experimenta isto no afeto e no diálogo entre marido e mulher,
entre pais e filhos, entre irmãos e irmãs. Depois vive isto ao escutar juntos a Palavra
de Deus e na oração comum, um pequeno oásis do espírito a ser criado em qualquer momento
a cada dia. Existem, portanto, o empenho cotidiano na educação à fé e à vida boa e
bonita do Evangelho, à santidade. Esta tarefa é, frequentemente, partilhada e exercida
com grande afeto e dedicação também pelos avôs e avós. Assim, a família se apresenta
como autêntica Igreja doméstica, que se alarga à família das famílias que é a comunidade
eclesial. Os cônjuges cristãos são, após, chamados a tornarem-se mestres na fé e no
amor também para os jovens casais.
O vértice que reúne e sintetiza todos os
elos da comunhão com Deus e com o próximo é a Eucaristia dominical quando, com toda
a Igreja, a família se senta à mesa com o Senhor. Ele se doa a todos nós, peregrinos
na história em direção à meta do encontro último quando “Cristo será tudo em todos”
(Col 3,11). Por isto, na primeira etapa do nosso caminho sinodal, refletimos sobre
o acompanhamento pastoral e sobre o acesso aos sacramentos pelos divorciados recasados.
Nós,
Padres Sinodais, vos pedimos para caminhar conosco em direção ao próximo Sínodo. Em
vocês se confirma a presença da família de Jesus, Maria e José na sua modesta casa.
Também nós, unindo-nos à Família de Nazaré, elevamos ao Pai de todos a nossa invocação
pelas famílias da terra:
Senhor, doa a todas as famílias a presença de esposos
fortes e sábios, que sejam vertente de uma família livre e unida.
Senhor,
doa aos pais a possibilidade de ter uma casa onde viver em paz com a família.
Senhor,
doa aos filhos a possibilidade de serem signo de confiança e aos jovens a coragem
do compromisso estável e fiel.
Senhor, doa a todos a possibilidade
de ganhar o pão com as suas próprias mãos, de provar a serenidade do espírito e de
manter viva a chama da fé mesmo na escuridão.
Senhor, doa a todos a
possibilidade de ver florescer uma Igreja sempre mais fiel e credível, uma cidade
justa e humana, um mundo que ame a verdade, a justiça e a misericórdia.
O
Cardeal Raymundo Damasceno de Assis, um dos relatores-presidente do Sínodo, comentou
a redação da mensagem final durante uma coletiva de imprensa no final da manhã deste
sábado, na Sala de Imprensa da Santa Sé.