Belo Horizonte (RV) - A dinâmica entre diálogo e emoção configura ou enfraquece
a cultura de um povo e o sentido de sua identidade. Cada pessoa sofre os efeitos deste
complexo processo, com incidências sobre o modo de se viver. O resultado final é um
tipo de cidadania, ou aquilo que se reconhece por “brasilidade". Vale a análise da
seriedade com que um povo realiza e respeita seus compromissos cidadãos. A corrupção
é uma referência bem concreta do resultado deste processo entre diálogo e emoção.
Trata-se de um binômio que entrelaça e influencia fortemente o jeito de ser de cada
cidadão e o torna peça da engrenagem que faz a sociedade funcionar de um determinado
modo. Pode produzir descompassos, alimentando as brechas vergonhosas entre ricos e
pobres; fazer da política um mecanismo de interesses exclusivamente partidários, com
a consequente perda do seu nobre sentido de priorizar o equilíbrio social. Esse processo
que envolve diálogo e emoção também incide na ambiência religiosa, produzindo todo
tipo de prática. É possível que resulte em manipulação, enriquecimento e outros absurdos,
em detrimento da dimensão intrínseca à fé verdadeira, ao menos no que diz respeito
ao Evangelho de Jesus Cristo - o compromisso com a justiça e uma incansável luta por
ela.
A discussão filosófica sobre a emoção é extensa. Aristóteles a compreende
como uma das três classes de coisas que se encontram na alma. Ela desempenha, neste
sentido, um determinante papel na vida humana. O consenso é que as emoções sejam harmonizadas,
para que não se pendule entre a hegemonia dos sentimentos e a tendência de eliminá-los.
Existem emoções más. Algumas, inclusive, são produzidas para se alcançar metas questionáveis.
Há também aquelas que temperam a existência, sem deixar prevalecer a perturbação que
leva à perda da serenidade e o consequente comprometimento da racionalidade. A prevalência
dos sentimentos ruins prejudica a articulação entre o diálogo e a emoção. Produz nefastos
resultados para a cultura. Também promove atrasos em respostas, aumento irracional
da burocratização, disputas injustificáveis entre grupos e pessoas. Consequentemente,
convive-se com grandes perdas de oportunidade e não se alcança a seriedade cidadã
que alavanca o desenvolvimento integral da sociedade. Esta fragilidade pode ser corrigida
com a força, a abertura e a exercitação do diálogo.
Dialogar não é apenas uma
disputa. Trata-se de uma arte, método rigoroso de conceitualização que promove um
processo cognitivo, temperado pelo que é bom das emoções. A dinâmica dialogal, no
entanto, não pode ser confundida com os elementos que compõem um tratado geral sobre
a fofoca, nem a produção de peças para desmoralização dos outros, muito menos enrijecimentos
conceituais que irracionalmente levam muitos a construírem, para si mesmos e para
seus pares, um lugar para julgar os outros. Isso está longe da dinâmica dialogal.
O ensino formal e as práticas educativas na vida comum de uma sociedade podem ou não
emoldurar a cidadania no equilíbrio entre diálogo e emoção. As polarizações emocionais
produzem irracionalidades que cegam e comprometem processos políticos, a autenticidade
da religiosidade. Formam os guetos institucionais e alimentam a rigidez cultural.
Inviabilizam, assim, a inovação, porque prejudicam a racionalidade e, consequentemente,
a inspiração necessária para as mudanças importantes.
Esta reflexão pode servir
para analisar e gerar novos entendimentos a respeito do que se passa na sociedade
brasileira, no atual contexto eleitoral, como também contribuir para o tratamento
adequado a ser dado aos gravíssimos problemas sociais que pesam sobre os ombros dos
pobres, em relação à habitação, educação, saúde, trabalho. São necessários entendimentos
criativos e cidadãos, indispensáveis para que a sociedade brasileira avance, não apenas
nos resultados econômicos, mas também nos aspectos políticos e sociais.
A sociedade
precisa de cidadãos articulados entre diálogo e emoção, pilares de uma moralidade
sadia e remédio para os absurdos que estão sendo gerados pela falta de proximidade,
pelo descompasso emocional de muita gente. Pessoas que, muitas vezes, são amparadas
por certa militância digital que aparentemente constitui lugar de aproximação, mas
apenas acentua distâncias. Atitude sábia diante das irracionalidades é seguir a indicação
poética de Fernando Pessoa: “Segue teu caminho, rega as tuas plantas, ama as tuas
rosas. O resto é a sombra de árvores alheias”.
Dom Walmor Oliveira de Azevedo
Arcebispo metropolitano de Belo Horizonte