Homilia da Missa de beatificação de mártires coreanos - Seul - 16 agosto
«Quem nos separará do amor de Cristo?» (Rm 8, 35). Com estas palavras, São Paulo fala-nos
da glória da nossa fé em Jesus: Cristo não só ressuscitou dentre os mortos e subiu
ao céu, mas uniu-nos a Si mesmo, tornando-nos participantes da sua vida eterna. Cristo
é vitorioso e a sua vitória é nossa!
Hoje celebramos esta vitória em Paulo
Yun Ji-chung e nos seus 123 companheiros. Os seus nomes vêm juntar-se aos dos Santos
Mártires André Kim Taegon, Paulo Chong Hasang e companheiros, aos quais pouco antes
prestei homenagem. Todos viveram e morreram por Cristo e agora reinam com Ele na alegria
e na glória. Com São Paulo, dizem-nos que Deus, na morte e ressurreição de seu Filho,
nos deu a maior de todas as vitórias. De facto, «nem a morte, nem a vida, nem a altura,
nem a profundidade, nem qualquer outra criatura poderá separar-nos do amor de Deus
que está em Cristo Jesus, nosso Senhor» (Rm 8, 38-39). A vitória dos mártires,
o testemunho por eles prestado à força do amor de Deus, continua ainda hoje a dar
frutos na Coreia, na Igreja que recebe incentivo do seu sacrifício. A celebração do
Beato Paulo e dos seus companheiros dá-nos oportunidade de voltar aos primeiros momentos,
aos alvores da Igreja na Coreia. Convido-vos, católicos coreanos, a lembrar as grandes
coisas que Deus realizou nesta terra e a guardar, como um tesouro, o legado de fé
e caridade que vos foi confiado pelos vossos antepassados.
Na providência
misteriosa de Deus, a fé cristã não chegou às costas da Coreia por intermédio de missionários;
mas entrou através dos corações e das mentes do próprio povo coreano. Este foi estimulado
à fé pela curiosidade intelectual, pela busca da verdade religiosa. Foi através dum
encontro inicial com o Evangelho que os primeiros cristãos coreanos abriram as suas
mentes a Jesus. Queriam saber mais sobre este Cristo que sofreu, morreu e ressuscitou
dos mortos; e este aprender algo sobre Jesus bem depressa levou a um encontro com
o próprio Senhor, aos primeiros baptismos, ao desejo duma vida sacramental e eclesial
plena e aos inícios dum compromisso missionário. Além disso, frutificou em comunidades
que se inspiravam na Igreja primitiva, onde os fiéis formavam verdadeiramente um só
coração e uma só alma, sem olhar às diferenças sociais tradicionais, e possuíam tudo
em comum (cf. Act 4, 32). Esta história é muito elucidativa sobre a importância,
a dignidade e a beleza da vocação dos leigos. Dirijo a minha saudação a tantos fiéis
leigos aqui presentes, especialmente às famílias cristãs que diariamente, com o seu
exemplo, educam os jovens para a fé e o amor reconciliador de Cristo. De modo especial,
saúdo os inúmeros sacerdotes aqui presentes: através do seu ministério generoso, transmitem
o rico património de fé cultivado pelas passadas gerações de católicos coreanos.
O
Evangelho de hoje contém uma mensagem importante para todos nós. Jesus pede ao Pai
que nos consagre na verdade e nos guarde do mundo. Antes de mais nada, é significativo
que Jesus, ao pedir ao Pai que nos consagre e guarde, não Lhe pede para nos tirar
do mundo. Sabemos que envia os seus discípulos para serem fermento de santidade e
verdade no mundo: o sal da terra e a luz do mundo. Nisto, os mártires mostram-nos
o caminho. Algum tempo depois que as primeiras sementes de fé foram lançadas nesta
terra, os mártires e a comunidade cristã tiveram que escolher entre seguir Jesus ou
o mundo. Tinham escutado a advertência do Senhor, ou seja, que o mundo os odiaria
por causa d’Ele (cf. Jo 17, 14); sabiam qual era o preço de ser discípulo. Para muitos,
isso significou a perseguição e, mais tarde, a fuga para as montanhas, onde formaram
aldeias católicas. Estavam dispostos a grandes sacrifícios e a deixar-se despojar
de tudo o que pudesse afastá-los de Cristo: os bens e a terra, o prestígio e a honra,
porque sabiam que somente Cristo era o seu verdadeiro tesouro.
Hoje, muitas
vezes, experimentamos que a nossa fé é posta à prova pelo mundo, sendo-nos pedido
de muitíssimas maneiras para condescender no referente à fé, diluir as exigências
radicais do Evangelho e conformar-nos com o espírito do tempo. Mas os mártires chamam-nos
a colocar Cristo acima de tudo, considerando todas as demais coisas neste mundo em
relação a Ele e ao seu Reino eterno. Os mártires levam-nos a perguntar se há algo
pelo qual estamos dispostos a morrer.
Além disso, o exemplo dos mártires ensina-nos
a importância da caridade na vida de fé. Foi a pureza do seu testemunho de Cristo,
manifestada na aceitação da igual dignidade de todos os baptizados, que os levou a
uma forma de vida fraterna que desafiava as rígidas estruturas sociais do seu tempo.
Foi a sua recusa de separar o duplo mandamento do amor a Deus e do amor ao próximo
que os levou a tão grande solicitude pelas necessidades dos irmãos. O seu exemplo
tem muito a dizer a nós que vivemos numa sociedade onde, ao lado de imensas riquezas,
cresce silenciosamente a pobreza mais abjecta; onde raramente se escuta o grito dos
pobres; e onde Cristo continua a chamar, pedindo-nos que O amemos e sirvamos, estendendo
a mão aos nossos irmãos e irmãs necessitados. Se seguirmos o exemplo dos mártires
e acreditarmos na palavra do Senhor, então compreenderemos a sublime liberdade e a
alegria com que eles foram ao encontro da morte. Além disso, veremos que a celebração
de hoje abraça os inúmeros mártires anónimos, neste país e no resto do mundo, que,
especialmente no século passado, ofereceram a sua própria vida por Cristo ou sofreram
duras perseguições por causa do seu nome.
Hoje é um dia de grande alegria
para todos os coreanos. O legado do Beato Paulo Yun Ji-chung e dos seus Companheiros
– a sua rectidão na busca da verdade, a sua fidelidade aos supremos princípios da
religião que tinham escolhido abraçar, bem como o seu testemunho de caridade e solidariedade
para com todos – tudo isso faz parte da rica história do povo coreano. O legado dos
mártires pode inspirar todos os homens e mulheres de boa vontade a trabalharem harmoniosamente
por uma sociedade mais justa, livre e reconciliada, contribuindo assim para a paz
e a defesa dos valores autenticamente humanos neste país e no mundo inteiro. Possam
as orações de todos os mártires coreanos, em união com as de Nossa Senhora, Mãe da
Igreja, obter-nos a graça de perseverar na fé e em toda a boa obra, na santidade e
pureza de coração e no zelo apostólico de testemunhar Jesus nesta amada Nação, em
toda a Ásia e até aos confins da terra. Amen.