Marco Roncalli: João XXIII é santo porque abandonou-se à vontade de Deus
Cidade do Vaticano (RV) - "João XXIII, mediante o abandono cotidiano à vontade
de Deus, viveu uma purificação que lhe permitiu se destacar completamente de si mesmo
para aderir a Cristo, deixando emergir a santidade que a Igreja depois reconheceu
oficialmente."
Estas palavras do Papa Francisco resumem o perfil espiritual
de João XXIII que será canonizado no próximo domingo, 27 de abril, junto com João
Paulo II.
Para falar sobre esse grande Papa, a Rádio Vaticano contatou o sobrinho-neto
e biógrafo do Papa João XXIII, Marco Roncalli.
Marco Roncalli:"Primeiramente,
deve ser identificado este fio condutor que atravessa toda a parábola humana e espiritual
de Roncalli, que é precisamente este desejo constante de santidade que encontramos
documentado num diário, num texto ou numa nota. Encontramos também a consciência de
que a santidade pressupõe esta docilidade ao Espírito, este deixar-se modelar por
Deus. Depois, é claro, talvez existisse um sigilo naquele lema que ele escolheu quando
foi consagrado bispo que é "Oboedientia et Pax". É importante ressaltar como este
passo é o ápice do significado desta canonização: existe esta adesão total ao Evangelho,
o desejo de viver na santidade, de buscá-la como objetivo, um objetivo possível, sem
considerá-la um objetivo distante. Abandonar-se à vontade de Deus significa que Deus
te permite alcançar esses objetivos, que na visão de Roncalli, não são sobrenaturais,
mas que estão ao alcance de todos a partir do momento em que uma pessoa se compromete
e se deixa plasmar por Deus."
O Papa Francisco quis canonizar juntos os
Papas Roncalli e Wojtyla, com uma escolha muito precisa.
Marco Roncalli:"Já tinha acontecido com o próprio João Paulo II quando no ano dois mil beatificou
Pio IX e João XXIII. Hoje, se repete com o Papa Francisco que canoniza Roncalli e
Wojtyla. Esta imagem alguns comentaristas históricos, acredito que com um pouco de
bom senso, falam também de uma espécie de equilíbrio, mas equilíbrio em que sentido?
Que este conceito de santidade pode ser obtido também através de sensibilidades muito
diferentes, porque acredito que seja inútil negá-lo. São dois papas com dois estilos,
duas sensibilidades e talvez duas maneiras de viver a santidade. Em João Paulo II
me parece acentuada a dimensão mística, cultivada em sua relação forte com Deus. Em
Roncalli é talvez mais evidente esta sobreposição de santidade tanto particular quanto
pública. De qualquer forma, nos dois casos é evidente a mesma fidelidade ao Evangelho."
Nos
primeiros dias de pontificado de João XXIII foram vários os sinais novos que surpreenderam
os observadores. Não é verdade?
Marco Roncalli: "Eu diria que existem
sinais muito fortes: desde a normalização, por exemplo, da Cúria ao aumento do número
de purpurados com o novo Consistório que não se realizava há anos, dando um sinal
forte da figura de Giovanni Battista Montini (Paulo VI). Depois penso nas imagens
que permaneceram muito fortes, impressas nas mentes daqueles que viveram naquela época
e das pessoas que revêem essas imagens também hoje como, por exemplo, a visita ao
'Hospital Pediátrico Menino Jesus'. Penso também na visita aos encarcerados do Regina
Coeli e na tomada de posse em São João de Latrão. A propósito de Latrão, ele lá voltou
em novembro de 1958 para visitar o que tinha sido o seu seminário. É bom lembrar o
que ele disse espontaneamente aos jovens clérigos: Ele não somente recorda os anos
de sua formação, mas disse aos estudantes que se sentia confuso quando alguém se dirigia
a ele dizendo 'Sua Santidade'. Depois acrescentou: 'Jovens, filhinhos, peçam ao Senhor
para que me conceda esta graça da santidade, pois uma coisa é dizer ou crer e outra
é ser santo."
Quando João XXIII, em 25 de janeiro de 1959, anunciou na
Basílica de São Paulo Fora dos Muros o desejo de convocar o Concílio estamos numa
época histórica em que alguns teólogos acreditam que a época dos Concílios deve ser
considerada definitivamente encerrada.
Marco Roncalli:"Sim. De fato,
juntamente com esta definição também a da infalibilidade pontifícia. Que necessita
tinha fazer vir a Roma mais de 2.800 cardeais de todas as partes do mundo? Na verdade,
ali se encontra a força e a coragem de João XXIII que com uma decisão extraordinariamente
pessoal, e depois de obter o consenso do Cardeal Tardini e outras pessoas, anuncia,
surpreende e silencia vários cardeais que recebem este anúncio em 25 de janeiro de
1959. Dali em diante, o longo caminho de preparação, onde estava claro que João XXIII
convidava realmente a Igreja a refletir sobre si mesma e sobre sua responsabilidade
para com os homens, a ter um comportamento novo. Basta recordar algumas frases do
famoso discurso Gaudet Mater Ecclesia, quando se abre o Concílio: Reiterar que a Igreja
prefere usar o medicamento da misericórdia, outra pérola que volta de maneira muito
forte nesses dias." (MJ)