Card. Comastri: "João Paulo II cumpriu plenamente o Totus Tuus"
Cidade do Vaticano (RV) – Como fez João Paulo II para retornar à Praça São
Pedro após o atentado? E como viveu os últimos momentos antes da morte? As respostas
a estas duas perguntas dizem muito sobre a santidade de Karol Wojtyla. Disto está
convencido o Cardeal Angelo Comastri, Vigário Geral do Papa para a Cidade do Vaticano,
que falou aos microfones da Rádio Vaticano, também sobre o grande amor de Wojtyla
pela Virgem Maria:
R: “Tive o meu primeiro encontro com João Paulo
II por ocasião da minha nomeação como bispo. Havia passado quase dez anos do atentado
e recordo que quando me encontrei face a face com João Paulo II, eu estava muito emocionado.
Num dado momento, parece que eu fiquei meio que bloqueado; não me veio em mente nenhuma
pergunta. Recordo que o Papa me disse: “Mas você está muito emocionado! Pergunte-me
alguma coisa”. Então eu lhe disse: “Vejamos, posso perguntar-lhe: como fizeste para
retornar à Praça São Pedro após o atentado?”. Me veio esta pergunta. E recordo que
João Paulo II, levantou o olhar, me olhou, sorriu e disse: “Bem, não foi fácil’. E
eu lhe disse: “Mas não tiveste medo?”. E ele me respondeu: “Claro que tive medo. Mas
recorde-se que os corajosos não são aqueles que não têm medo, mas são aqueles que,
mesmo tendo medo, seguem em frente para cumprir sua missão”. E acrescentou: “Após
o atentado me aconselharam de vestir um colete à prova de balas sob as vestes. Não
quis. A minha vida está nas mãos de Deus”.
RV: Quanto influenciou
o amor filial de Karol Wojtyla por Maria no testemunho de santidade?
R:
“João Paulo II confidenciou ter descoberto a devoção por Maria na sua juventude.
Num primeiro momento, lhe pareceu que a devoção a Nossa Senhora, de alguma maneira,
ofuscasse o primado de Cristo. Depois, lendo o ‘Tratado da verdadeira devoção a Maria’,
de São Luís Maria Grignion de Monfort, entendeu que Maria não afasta de Jesus; Maria
conduz a Jesus. E disse também que o próprio Jesus nos indicou este caminho, o caminho
de Maria, quando do alto da Cruz disse a João: “João, eis aí a tua mãe” e a Maria:
“Eis o teu filho”. Jesus nos indicou Maria como o caminho para ir até Ele, pois Maria
é, por definição, ‘a obediente’; é aquela que diz ‘sim’. E ao lado de Maria, olhando
Maria, se aprende o estilo do ‘sim’. Assim, aquele Totus Tuus, o programa de João
Paulo II quer dizer: “Maria, sou todo teu para ir a Jesus”.
RV:
O senhor esteve próximo a Karol Wojtyla nos últimos momentos da sua vida terrena.
Também na maneira como ele enfrentou o momento derradeiro se viu a santidade de João
Paulo II...
R: “Tenho uma recordação muito viva do último encontro
que tive com ele. Foi em primeiro de abril de 2005, antes de sua morte. Recordo que
fiz tudo correndo: a chegada no Pátio de São Damaso, pego o elevador, chego ao apartamento
do Papa e encontro o Padre Stanislaw, que me introduziu pela primeira vez na minha
vida, nos aposentos do Papa. Encontro o Papa sentado, apoiado num dos travesseiros,
enquanto um médico insuflava oxigênio, porque ele tinha contínuas crises de asfixia.
Então lhe disse: “Padre Santo, apenas comecei o serviço ao qual me chamaste, dê-me
sua bênção”. E vejo a mão direita do Papa, fora do lençol, muito inchada. Levanta-se
para abençoar e cai... a levanta novamente e cai e então digo a ele: ‘Padre santo,
a bênção já saiu do coração; para mim isto é o suficiente”. Esta é a recordação mais
bonita que trago comigo. Então me fixou com os olhos. Vejo ainda aqueles olhos que
me olham; olhos serenos, límpidos... Recordo-me que saí do apartamento do Papa e me
perguntava de onde vinha aquela serenidade: nascia do fato que estava seguro de ir
ao encontro do Senhor. Mas para mim existia outro motivo: estava convencido de ter
dedicado totalmente a sua vida ao Senhor. Aquele ‘Totus Tuus’, ele o
havia realizado plenamente: todo de Maria para Jesus”.
RV: O senhor,
ao longo dos anos, pode ler, recolher tantos milhares de bilhetinhos deixados por
fiéis de todo o mundo no túmulo de João Paulo II. O que lhe tocava destes testemunhos?
R: “O que me tocava era que todos estavam orientados para uma dupla
direção: ou eram famílias que agradeciam o Papa pelo exemplo, as palavras, o testemunho
que havia dado, ou eram jovens que agradeciam a ele pelo entusiasmo que havia aceso
neles. E estes são, num certo sentido, os dois amores de João Paulo II: a família
e os jovens. Foi ele que disse: “Eu gostaria de ser recordado como o Papa da família”;
mas ao mesmo tempo o recordavam todos como o Papa dos jovens. De resto, as Jornadas
Mundiais da Juventude são uma invenção para recolher os jovens e acender neles o entusiasmo
em seguir Jesus”.
RV: Agora que todos poderemos rezar a ele como
Santo, como mudará a relação entre os fiéis e João Paulo II?
R: “Respondo
do alto, depois de baixo. Do alto me vem em mente uma afirmação de Santa Teresa de
Lisieux, que dois meses antes de morrer confidenciou: “Eu passarei o meu Céu a fazer
o bem sobre a terra”. Creio que o Papa João Paulo II, que tanto amou a Igreja, os
jovens, as famílias, a humanidade, viva o seu Céu como quando estava vivo, com o desejo
de fazer alguma coisa, de fazer o bem, de levar as pessoas a Jesus. Portanto, nele
existe seguramente esta paixão, este desejo, pois no céu o bem se amplia. Por outro
lado, o recordamos como um Papa que deu um grande testemunho de fé, uma grande coragem
na fé. O que me impressionava de João Paulo II era justamente esta coragem, a força
de seguir em frente, para vencer todo o medo, como quando em 22 de outubro de 1978,
iniciando o Pontificado na Praça São Pedro disse: “Não tenham medo! Abram, ou melhor,
escancarem as portas a Cristo! Cristo sabe o que tem no coração do homem, somente
Ele o sabe!”. Estas palavras ‘Não tenham medo, escancarem as portas a Cristo’, creio
que sejam a recordação mais bonita de João Paulo II. Poderia imaginá-lo como uma flecha,
uma indicação que diz: “Ide a Jesus””. (JE)