Belo Horizonte (RV) - O mundo cristão contempla no horizonte a paixão e morte
de Jesus Cristo, o Filho de Deus, na Sexta-feira Santa. Assim, celebra o mistério
da salvação e, com reverência amorosa, faz ecoar um silêncio que é a via única para
entender o mais perfeito gesto de amor da história da humanidade. Só esse silêncio
não dispersa a inteligência na tarefa de inspirar-se pelo amor verdadeiro de Deus,
para compreender o sentido redentor do sofrimento de Cristo. O sentido dessa paixão
é a salvação de todos, caminho para o entendimento sábio e adequado da dor que acompanha
a humanidade. Compreendê-lo é indispensável para que as muitas dificuldades não apaguem
a chama da esperança, obscurecendo a vida.
Indispensável é o desafio de considerar
como essencial à natureza humana aquilo que nós exprimimos com a palavra “sofrimento”.
As muitas dores manifestam a profundidade que é própria do homem. Assim, o sofrimento
parece pertencer ao domínio da transcendência. Indica que a humanidade está, em certo
sentido, “destinada” à busca pela superação e é chamada, de modo misterioso, a seguir
esse percurso. Uma caminhada que só é possível a partir de uma sabedoria adequada.
Enfrentar o sofrimento sem essa consciência pode fazer crescer as lutas e disputas
que promovem o caos da desumanização, afetando, de modo particular, a realidade contemporânea.
Sofrer
é inerente à condição terrena do homem; mas é importante compreender que, pela paixão
de Cristo na Cruz, o Salvador realizou a redenção da humanidade. Não se pode, portanto,
evitar ou tratar com indiferença a realidade da dor. Todos devem assumir o dever cristão
de ir ao encontro de cada pessoa que sofre. Assim, o padecer humano deve suscitar
compaixão e inspirar também respeito, pois guarda a grandeza de um mistério específico.
Esse respeito particular por todo e qualquer sofrimento humano merece ser claramente
compreendido como necessidade profunda do coração e exigência da fé. Somos chamados,
pela fé, a estar junto a cada irmão que sofre. A dor de cada um, à luz da fé, iluminada
pela paixão de Cristo Salvador, não pode ser simplesmente objeto de descrição.
Oportuno
é recordar a palavra do Bem-Aventurado João Paulo II na sua Carta Apostólica sobre
o sentido cristão das mais diversas dores. Ele sublinha que o “sofrimento é algo mais
amplo e mais complexo do que a doença”. Lembra que a ciência e suas terapias não conseguem
compreender e tratar todas as dores, que formam uma dimensão “enraizada na própria
humanidade”. João Paulo II alerta que a dor espiritual acompanha sempre as aflições
físicas e morais: “A amplidão do sofrimento moral e a multiplicidade das suas formas
não são menores do que as do sofrimento físico; mas, ao mesmo tempo, o primeiro apresenta-se
como algo mais difícil de identificar e de ser atingido pela terapia”.
Todo
sofrimento é sempre causado pelo mal. Caberá a permanente interrogação a respeito
desse mal como possibilidade de uma experiência com força de recuperar a sociedade
contemporânea da grave crise moral que ela enfrenta. Diante de todo sofrimento, no
combate ao mal que o causa, a solidariedade é a dinâmica indispensável para construir
um caminho humanitariamente possível e justo. Nenhuma dor pode ser entendida e enfrentada
senão pela sabedoria do amor. E a fonte inesgotável dessa sabedoria é Deus. Jesus
Cristo na Cruz, marcante pelo silêncio de sua morte, é a revelação plena do amor divino.
Pelo sofrimento redentor de Cristo, Ele atinge as raízes do mal, também existencial
e histórico. Existe, pois, um Evangelho do Sofrimento como fonte de imprescindíveis
lições para que a humanidade enfrente os seus desafios. O capítulo central desse Evangelho,
a ser aprendido para superar todo mal, é o mistério do sofrimento de Cristo. Hoje,
Sexta-feira Santa, é oportunidade para que todos compreendam melhor o sentido desse
mistério e se fortaleçam no enfrentamento de todas as dores do mundo.
Dom Walmor
Oliveira de Azevedo Arcebispo metropolitano de Belo Horizonte (MG)