Papa aos embaixadores: "O ano que passou nos mostra que o isolamento leva à morte
e à destruição"
Cidade do Vaticano (RV) – Na manhã desta segunda-feira, o Papa Francisco recebeu
na Sala Régia, no Vaticano, os membros do Corpo Diplomático acreditado junto à Santa
Sé – para um dos discursos mais tradicionais do ano.
Diante de centenas de
embaixadores, o Papa fez um balanço do ano que passou, definindo-o “denso de acontecimentos
não só na vida da Igreja, mas também no âmbito das relações que a Santa Sé mantém
com os Estados e as Organizações Internacionais”, e falou das inúmeras crises que
acometem a humanidade.
A primeira delas diz respeito à família, pois muitas
estão divididas e dilaceradas “não só pela frágil consciência do sentido de pertença
que caracteriza o mundo atual, mas também pelas difíceis condições em que muitas delas
são forçadas a viver, chegando ao ponto de lhes faltarem os próprios meios de subsistência.
Por isso, tornam-se necessárias políticas adequadas que apoiem, promovam e consolidem
a família”.
Em especial, o Pontífice falou dos idosos e dos jovens como esperança
da humanidade: os primeiros trazem a sabedoria da experiência, enquanto os segundos
nos abrem ao futuro, impedindo de nos fecharmos em nós mesmos.
“Conservo viva
na mente a experiência da Jornada Mundial da Juventude, no Rio de Janeiro. Pude encontrar
tantos jovens contentes! Havia tanta esperança e expectativa nos seus olhos e nas
suas orações! Tanta sede de vida e tanto desejo de se abrir aos outros!”
No
ano que passou, disse ainda o Papa, vimos o resultado do egoísmo e do isolamento,
que geram sofrimento e desespero – como o verificado na Síria. “Não cesso de esperar
que tenha finalmente termo o conflito na Síria”, disse Francisco, recordando o dia
de jejum e oração convocado em setembro passado para afastar o perigo de uma intervenção
militar externa. “Agora requer-se uma renovada vontade política comum para pôr fim
ao conflito. Nesta linha, espero que a Conferência «Genebra 2», convocada para o próximo
dia 22 de janeiro, marque o início do desejado caminho de pacificação.”
Continuando
no Oriente Médio, o Pontífice manifestou sua preocupação pelas dificuldades políticas
no Líbano, no Egito e no Iraque, e pelo êxodo dos cristãos. Quanto ao Irã, expressou
satisfação pelos significativos progressos realizados sobre a questão nuclear, assim
como pela retomada das negociações entre israelenses e palestinos.
Na África,
o Papa citou vastas áreas da Nigéria, onde “não cessam as violências e continua a
ser derramado tanto sangue inocente”. De modo especial, dirigiu seu pensamento à República
Centro-Africana, onde a população sofre por causa das tensões que o país atravessa
e que já semearam destruição e morte. “Asseguro a minha oração pelas vítimas e os
numerosos desalojados, constrangidos a viver em condições de indigência, espero que
a solicitude da Comunidade Internacional contribua para fazer cessar as violências.”
Francisco citou ainda a crise no Sudão do Sul, cuja instabilidade política do último
período já provocou numerosos mortos e uma nova emergência humanitária.
Na
Ásia, por ocasião do cinquentenário das relações diplomáticas com a República da Coreia,
o Pontífice pediu a Deus o dom da reconciliação na península. Ao louvar a longa história
de convivência pacífica no continente, manifestou preocupação diante de atitudes de
fechamento, que tendem a privar os cristãos da sua liberdade e pôr em risco a convivência
civil.
O Papa falou ainda do escândalo da fome: “Não podem deixar-nos indiferentes
os rostos de quantos padecem fome, sobretudo das crianças, se pensarmos quanta comida
é desperdiçada cada dia em tantas partes do mundo, mergulhadas naquela que já várias
vezes defini como a «cultura do descarte»”.
Francisco constatou que objeto
de descarte não são apenas os alimentos ou os bens supérfluos, mas muitas vezes os
próprios seres humanos. “Causa horror só o pensar que haja crianças que não poderão
jamais ver a luz, vítimas do aborto, ou aquelas que são usadas como soldados, estupradas
ou mortas nos conflitos armados, ou então feitas objeto de mercado naquela tremenda
forma de escravidão moderna que é o tráfico dos seres humanos, que é um crime contra
a humanidade.”
Os imigrantes também foram citados pelo Papa, em especial as
multidões forçadas a fugir da carestia ou das violências e abusos como no Chifre da
África, na região dos Grandes Lagos, ou quem sai em busca de uma vida melhor, como
é o caso dos numerosos emigrantes latino-americanos que tentam ingressar nos Estados
Unidos, e dos africanos que tentam entrar na Europa.
“Continua viva na minha
memória a breve visita que realizei a Lampedusa, em julho passado, para rezar pelos
numerosos náufragos no Mediterrâneo. Perante tais tragédias, infelizmente, verifica-se
uma indiferença geral, constituindo um sinal dramático da perda daquele «sentido da
responsabilidade fraterna» sobre o qual assenta toda a sociedade civil.”
Por
fim, Francisco mencionou outra ferida à paz, que deriva da ávida exploração dos recursos
ambientais, e citou um dito popular: «Deus nos perdoa sempre, mas a natureza – a criação
– nunca perdoa quando é maltratada». “Aliás, permanecem diante dos olhos os efeitos
devastadores de algumas catástrofes naturais recentes. Em particular, quero lembrar
uma vez mais as numerosas vítimas e as graves devastações nas Filipinas e noutros
países do sudeste asiático provocadas pelo tufão Haiyan.”
O Papa concluiu citando
Paulo VI, quando observava que «a paz não se reduz a uma ausência de guerra, fruto
do equilíbrio sempre precário das forças. Constrói-se, dia a dia, na busca duma ordem
querida por Deus, que traz consigo uma justiça mais perfeita entre os homens».
“Este
é o espírito que anima a ação da Igreja”, disse o Pontífice, reiterando no início
deste novo ano, a disponibilidade da Santa Sé em colaborar com os países para favorecer
“laços de fraternidade que são reflexo do amor de Deus e fundamento da concórdia e
da paz”.
Atualmente, a Santa Sé mantém relações diplomáticas com 180 países.
A estes, acrescentam-se a União Europeia, a Soberana Ordem de Malta e uma Missão de
caráter especial na Palestina.
No que diz respeito às Organizações Internacionais,
a Santa Sé está presente na ONU na qualidade de "Estado observador". Além disso, é
membro de sete organizações ou Agências das Nações Unidas, Observador em outras oito
e Membro ou Observador em cinco organizações regionais.
O Embaixador brasileiro
junto à Santa Sé é Denis Fontes de Souza Pinto.