"A alegria do Evangelho": publicada a Exortação Apostólica do Papa Francisco sobre
o anúncio do Evangelho no mundo actual
"A alegria
do evangelho enche o coração e a vida inteira daqueles que se encontram com Jesus":
assim inicia a Exortação Apostólica "Evangelii Gaudium" com a qual o Papa Francisco
desenvolve o tema do anúncio do Evangelho no mundo de hoje, recolhendo por outro lado
a contribuição dos trabalhos do Sínodo que se realizou no Vaticano de 7 a 28 de Outubro
de 2012, com o tema "A nova evangelização para a transmissão da fé". "Desejo dirigir-me
aos fiéis cristãos - escreve o Papa - para os convidar a uma nova etapa de evangelização
marcada por esta alegria e indicar direcções para o caminho da Igreja nos próximos
anos" (1).
O Papa convida a "recuperar a frescura original do Evangelho”,
encontrando "novas formas" e "métodos criativos", sem deixarmos enredar Jesus nos
nossos "esquemas monótonos" (11). Precisamos de uma "uma conversão pastoral e missionária,
que não pode deixar as coisas como estão" (25). Requer-se uma "reforma das estruturas"
eclesiais para que "todas se tornem mais missionárias" (27) . O Pontífice pensa também
numa "conversão do papado", para que seja "mais fiel ao significado que Jesus Cristo
lhe quis dar e às necessidades actuais da evangelização". A esperança de que as Conferências
Episcopais pudessem dar um contributo para que "o sentido de colegialidade" se realizasse
“concretamente” – afirma o Papa - "não se realizou plenamente" (32). E’ necessária
uma “saudável descentralização" (16). Nesta renovação não se deve ter medo de rever
costumes da Igreja "não directamente ligados ao núcleo do Evangelho, alguns dos quais
profundamente enraizados ao longo da história" (43) .
Sinal de acolhimento
de Deus é "ter por todo o lado igrejas com as portas abertas" para que os que vivem
uma situação de procura não encontrem "a frieza de uma porta fechada". "Nem mesmo
as portas dos Sacramentos se deveriam fechar por qualquer motivo". O Papa Francisco
reafirma preferir uma Igreja "ferida e suja por ter saído pelas estradas, em vez de
uma Igreja... preocupada em ser o centro e que acaba por ficar prisioneira num emaranhado
de obsessões e procedimentos. Se algo nos deve santamente perturbar ... é que muitos
dos nossos irmãos vivem "sem a amizade de Jesus” (49).
O Papa aponta as
"tentações dos agentes da pastoral": o individualismo, a crise de identidade, o declínio
no fervor (78). "A maior ameaça" é "o pragmatismo incolor da vida quotidiana da Igreja,
no qual aparentemente tudo procede na faixa normal, quando na realidade a fé se vai
desgastando" (83). Exorta a não se deixar levar por um "pessimismo estéril " (84 )
e a sermos sinais de esperança (86) aplicando a "revolução da ternura" (88).
O
Papa lança um apelo às comunidades eclesiais para não caírem em invejas e ciúmes:
“dentro do povo de Deus e nas diversas comunidades, quantas guerras!" (98). "A quem
queremos nós evangelizar com estes comportamentos?" (100). Sublinha a necessidade
de fazer crescer a responsabilidade dos leigos, mantidos "à margem nas decisões" por
um "excessivo clericalismo" (102). Afirma que "ainda há necessidade de se ampliar
o espaço para uma presença feminina mais incisiva na Igreja", em particular "nos diferentes
lugares onde são tomadas as decisões importantes" (103). "As reivindicações dos direitos
legítimos das mulheres ... não se podem sobrevoar superficialmente" (104). Os jovens
devem ter "um maior protagonismo" (106). (…)
Abordando o tema da inculturação,
o Papa lembra que "o cristianismo não dispõe de um único modelo cultural" e que o
rosto da Igreja é "multiforme" (116). "Não podemos esperar que todos os povos ...
para expressar a fé cristã, tenham de imitar as modalidades adoptadas pelos povos
europeus num determinado momento da história" (118). O Papa reitera "a força evangelizadora
da piedade popular" (122) e incentiva a pesquisa dos teólogos.
O Papa detém-se
depois, "com uma certa meticulosidade, na homilia", porque "são muitas as reclamações
em relação a este importante ministério e não podemos fechar os ouvidos" (135). A
homilia "deve ser breve e evitar de parecer uma conferência ou uma aula " (138), deve
ser capaz de dizer "palavras que façam arder os corações", evitando uma "pregação
puramente moralista ou para endoutrinar" (142). Sublinha a importância da preparação."
(…) O próprio anúncio do Evangelho deve ter características positivas: "proximidade,
abertura ao diálogo, paciência, acolhimento cordial que não condena" (165).
Falando
dos desafios do mundo contemporâneo, o Papa denuncia o actual sistema económico, que
"é injusto pela raiz" (59). "Esta economia mata" porque prevalece a "lei do mais forte".
A actual cultura do "descartável" criou "algo de novo": “os excluídos não são ‘explorados’,
mas ‘lixo’, 'sobras'" (53). Vivemos uma "nova tirania invisível, por vezes virtual"
de um "mercado divinizado", onde reinam a "especulação financeira", "corrupção ramificada",
"evasão fiscal egoísta" (56). Denuncia os "ataques à liberdade religiosa" e as "novas
situações de perseguição dos cristãos ... Em muitos lugares trata-se pelo contrário
de uma difusa indiferença relativista" (61). A família - continua o Papa - "atravessa
uma crise cultural profunda.
O Papa reafirma "a íntima conexão entre evangelização
e promoção humana" (178 ) e o direito dos Pastores a "emitir opiniões sobre tudo o
que se relaciona com a vida das pessoas" (182). "Ninguém pode exigir de nós que releguemos
a religião à secreta intimidade das pessoas, sem qualquer influência na vida social".
"A política, tanto denunciada" - diz ele - "é uma das formas mais preciosas de caridade".
"Rezo ao Senhor para que nos dê mais políticos que tenham verdadeiramente a peito
... a vida dos pobres!" Em seguida, um aviso: "qualquer comunidade dentro da Igreja"
que se esquecer dos pobres corre "o risco de dissolução" (207) .
O Papa
convida a cuidar dos mais fracos: "os sem-tecto, os dependentes de drogas, os refugiados,
os povos indígenas, os idosos cada vez mais sós e abandonados" e os migrantes, em
relação aos quais o Papa exorta os Países "a uma abertura generosa" (210 ). "Entre
estes fracos que a Igreja quer cuidar" estão "as crianças em gestação, que são as
mais indefesas e inocentes de todos, às quais hoje se quer negar a dignidade humana"
(213) . "Não se deve esperar que a Igreja mude a sua posição sobre esta questão ...
Não é progressista fingir resolver os problemas eliminando uma vida humana" (214).
Neste contexto, um apelo ao respeito de toda a criação: "somos chamados a cuidar da
fragilidade das pessoas e do mundo em que vivemos" ( 216) .
Quanto ao tema
da paz, o Papa afirma que é "necessária uma voz profética" quando se quer implementar
uma falsa reconciliação "que mantém calados" os pobres, enquanto alguns "não querem
renunciar aos seus privilégios" (218). Para a construção de uma sociedade "em paz,
justiça e fraternidade" indica quatro princípios: "trabalhar a longo prazo, sem a
obsessão dos resultados imediatos"; "operar para que os opostos atinjam "uma unidade
multifacetada que gera nova vida"; "evitar reduzir a política e a fé à retórica;
colocar em conjunto globalização e localização.
"A evangelização - prossegue
o Papa - também implica um caminho de diálogo", que abre a Igreja para colaborar com
todas as realidades políticas, sociais, religiosas e culturais (238). O ecumenismo
é "uma via imprescindível da evangelização". Importante o enriquecimento recíproco:
"quantas coisas podemos aprender uns dos outros!". Por exemplo, “no diálogo com os
irmãos ortodoxos, nós os católicos temos a possibilidade de aprender alguma coisa
mais sobre o sentido da colegialidade episcopal e a sua experiência de sinodalidade"
(246). "O diálogo e a amizade com os filhos de Israel fazem parte da vida dos discípulos
de Jesus" (248). "O diálogo inter-religioso", que deve ser conduzido "com uma identidade
clara e alegre", é "condição necessária para a paz no mundo" e não obscurece a evangelização
(250-251). "Diante de episódios de fundamentalismo violento", a Exortação Apostólica
convida a "evitar odiosas generalizações, porque o verdadeiro Islão e uma adequada
interpretação do Alcorão se opõem a toda a violência" (253). Contra a tentativa de
privatizar as religiões em alguns contextos, o Papa afirma que "o respeito devido
às minorias de agnósticos ou não-crentes não se deve impor de forma arbitrária, que
silencie as convicções das maiorias de crentes ou ignore a riqueza das tradições religiosas"
(255). Reafirma, assim, a importância do diálogo e da aliança entre crentes e não-crentes
(257) .
O último capítulo é dedicado aos "evangelizadores com o Espírito",
aqueles "que se abrem sem medo à acção do Espírito Santo", que "infunde a força para
anunciar a novidade do Evangelho com ousadia, em voz alta e em todo o tempo e lugar,
mesmo em contracorrente" (259). Trata-se de "evangelizadores que rezam e trabalham"
(262), na certeza de que "a missão é uma paixão por Jesus mas, ao mesmo tempo, uma
paixão pelo seu povo" (268): "Jesus quer que toquemos a miséria humana, que toquemos
a carne sofredora dos outros" (270). "Na nossa relação com o mundo – esclarece o Papa
- somos convidados a dar a razão da nossa esperança, mas não como inimigos que apontam
o dedo e condenam" (271). "Pode ser missionário - acrescenta ele - apenas quem busca
o bem do próximo, quem deseja a felicidade dos outros" (272): "se eu conseguir ajudar
pelo menos uma única pessoa a viver melhor, isto já é suficiente para justificar o
dom da minha vida" (274).