Jales (RV) - A Igreja do Brasil vive um momento muito especial neste final
de semana. Na pequena cidade de Baependi, Sul de Minas, se realiza a beatificação
de Francisca de Paula de Jesus, popularmente conhecida como Nhá Chica, há muito tempo
venerada pelo povo como santa.
Passados mais de cem anos de sua morte, em
1895, o povo nunca esqueceu o exemplo deixado por Nhá Chica. Com sua beatificação,
ela pode agora ser venerada publicamente como exemplo de vida cristã, com a certeza
de que em breve será canonizada, para ser invocada como santa.
Por seu simbolismo,
o fato mereceria maior divulgação. Ele atesta o prodígio da expansão da fé cristã
por todo o país, propagada não tanto por uma evangelização explícita da hierarquia
eclesial, mas muito mais pela vivência e pelo testemunho de pessoas humildes, leigos
e leigas, que mesmo em meio a condições adversas, encontraram na fé e na prática da
caridade um caminho de crescimento pessoal e de sua vocação à santidade.
Entre
os diversos dados que compõem sua singular biografia, é bom ter presente que no tempo
em que Nhá Chica viveu, no Brasil só havia onze dioceses, no enorme mapa, tão rarefeito
da presença da hierarquia da Igreja. Se a fé cristã dependesse naquele tempo do punhado
de bispos e dos poucos padres existentes, ela não teria se arraigado desta maneira,
fincando raízes tão profundas na cultura brasileira.
Neta de escrava, filha
de ex-escrava e de pai desconhecido, Francisca de Paula de Jesus nasceu em 1810 em
Santo Antônio do Rio das Mortes Pequeno, distrito de São João del Rey , vindo o falecer
em 1895 em Baependi, onde viveu por mais de oitenta anos.
De acordo com
informações atestadas pelo escritor e historiador José de Souza Martins, a avó de
Nhá Chica, uma africana trazida de Angola num navio negreiro em 1725, ficou conhecida
como Rosa de Benguela. Violentada aos 14 anos pelo seu "amo e senhor", foi vendida
e levada do Rio para Minas, onde veio ao morar perto de Mariana. Cativa na Fazenda
Cata Preta, viveu 15 anos na prostituição. Aos 30 anos, doente, resolveu mudar de
vida. Vendeu os poucos bens que tinha, distribuiu o dinheiro aos pobres e começou
a participar de ofícios e liturgias nas igrejas da região. Esta a avó.
Sua
filha Izabel Maria, a mãe de Nhá Chica, foi alforriada, deixando então de ser escrava.
Mulher piedosa, ela pediu a Francisca que não se casasse, para assim dedicar sua
vida à caridade. Obediente à recomendação da mãe, viveu celibatária, cultivando
verduras, frutas e flores, e rezando muito. Com esmolas e ajuda do povo, mandou construir
uma capela que ficou conhecida como a igreja de Nhá Chica. A menina nunca foi à
escola. Viveu e morreu analfabeta. Lamentava não poder ler a Bíblia, da qual decorava
trechos e recitava de cor algumas orações. Rezava diante de uma pequena imagem da
Imaculada Conceição, retirando-se para junto dela no quarto, enquanto pessoas que
recorriam às suas preces aguardavam na sala.
Segundo relato dos seus coetâneos,
Nhá Chica era uma "moreninha clara, olhos verde-gaios, jovial, dengosa, um encanto
de criança, alegre e comunicativa”.
Ela captou bem a proposta de Cristo, de
perder sua vida a serviço dos pobres. Recusou as persistentes insinuações de gozar
da riqueza familiar do seu irmão mais velho que tinha enriquecido. Ficou firme no
seu propósito até o fim de sua vida.
Na pessoa de Nhá Chica, podemos reconhecer
a rica herança da fé cristã com que Deus abençoou o povo brasileiro. Com ela milhões
de pessoas podem se identificar, percebendo a semelhança de situações nos caminhos
de suas vidas.
Agora a presença da hierarquia da Igreja no Brasil se multiplicou
espetacularmente. No tempo de Nhá Chica eram somente onze dioceses. Agora são 276.
Que este crescimento estrutural consolide os laços da comunhão eclesial, e dê mais
consistência aos conteúdos da fé. Para que o povo brasileiro, ao mesmo tempo, mantenha
a espontaneidade de suas práticas religiosas, e se torne mais consciente de seus compromissos
cristãos e eclesiais.